A Revelação da Natureza

John "Walking" Stewart

Escrito em 1790. A tradução se pautou na edição revisada por George H. Evans de 1835. Tradução por F. V. Silva (agosto de 2025)

MATÉRIA

A matéria, que em sua dissolução se separa, nunca pode ser aniquilada, e embora possa se dispersar em uma infinidade de pequenas partículas, que, por não fazerem impressão nos órgãos grosseiros dos sentidos, podem desaparecer, ainda assim deve subsistir na grande massa da existência; dela, é impossível supor um começo, também é impossível supor um fim, podendo, assim, ser chamada de eterna.

A matéria é suficientemente definida para todos os propósitos da inteligência útil pelo termo substância.

O movimento é essa substância em ação.

[...]

HOMEM

Demos provas de que os animais são dutos ou canais de identidade que recebem a matéria em seu eterno revolver. A conexão ou comunhão da matéria com a matéria se deixa ver por sua transmutação constante no alimento, dissolvido e digerido por corpos animados; corpos que, por sua vez, decompostos e absorvidos pelos elementos, retornando à vegetação e à animação, perpretando essa transmutação da existência (e não morte) por toda a eternidade.

[...]

A morte ou transmutação da existência é a dissolução da identidade, que é apenas a melodia do instrumento, não possuindo conexão com a Natureza, a qual se forma apenas pela matéria. Como ela é formada é algo que conhecemos tão pouco quanto conhecemos a ligação entre o fogo e o calor; todavia, temos um testemunho instintivo e consciente de que somos parcelas imortais do grande todo, a Natureza; de que existimos desde sempre e continuaremos a existir por toda a eternidade, embora nossas identidades sejam interrompidas pela fraqueza da reminiscência ou alteradas pela decadência ou morte.

Uma mente fraca, que se apega unicamente à identidade, pode não ser capaz de conceber sua conexão eterna com a Natureza, mas desafio uma mente que tenha alcançado o ápice do intelecto e considere a indestrutibilidade da matéria a separar-se de seu todo eterno, mesmo que possa não ter conhecimento dos meios pelos quais se liga a ele.

A utilidade desta doutrina é indiscutível, pois nos mostra que participaremos, no presente e no futuro, de todo o mal que nosso vício ou violência possa trazer sobre a grande massa da Natureza, [...]

Tal religião ou doutrina, se universalmente ensinada, não tardia em tornar toda a humanidade sábia, virtuosa e feliz. O tirano estremeceria diante da crueldade que prepara para outra identidade [...] As instituições absurdas e cruéis de nossa sociedade tiranizam a Natureza, multiplicando os desejos e as classes da humanidade, substituindo a paz por poder, o repouso por trabalho, a felicidade por riquezas. Uma vez que a violência primeva destruiu a verdade em abstrato, ou no grande ciclo e sistema, a humanidade, operando em um sistema contraído de verdade relativa, passou a aperpetura a miséria em suas identidades presentes e futuras.

Quando a industriosidade humana chegar à existir intelectualmente, e conceber intuitivamente a sagrada doutrina da unidade e eternidade de toda a Natureza, toda a economia moral da humanidade se alterará — o sistema da Natureza se fará conhecido — o Eu será descoberto — a felicidade passará a ser estudada — e o homem, na plenitude da existência intelectual, será levado a um estado de Natureza iluminada, ou liberdade absoluta dirigida e controlada por uma vontade sábia, para alcançar o objetivo do bem-estar para si e para seus semelhantes, ou todas as criaturas sensíveis.

[...]

VONTADE

Na proporção em que a sabedoria aumenta ou avança, a coerção deve diminuir ou recuar, e isso é exemplificado no atual estado de diferentes nações; aquelas que possuem maior liberdade são as que possuem maior sabedoria. Esta deve sempre preceder aquela; [...] a felicidade é sacrificada no altar do despotismo.

A FACULDADE DE JULGAR

[A faculdade de julgar] é a grande excelência moral dessa máquina chamada homem; e se essa máquina for organizada de modo a permitir a operação perfeita do juízo, deverá, quando tocada, produzir sempre uma melodia harmoniosa.

Outras máquinas menos perfeitamente organizadas, nas quais essa faculdade pode faltar, ainda são capazes de executar a mesma melodia, [...] que produzem por imitação [...].

A ESSÊNCIA DO HOMEM

[...]

Toda a Natureza, isto é, todas as suas partes, chamadas Eu, Você, Eles, que são, foram e serão eternamente parte da Natureza, e se motivam a preservar esses canais, ou identidades egoícas individuais, de forma que a matéria possa ter garantia de felicidade e bem-estar em sua revolução eterna.

A essência do homem pode ser definida de forma simples e inteligível da seguinte forma: Matéria organizada de modo a desenvolver sua volição e possuir meios para saciá-la; para obter julgamento, que pode direcionar essa volição e esses meios para o bem-estar e a felicidade do homem. Tudo o que se opõe a esse julgamento deve ser tomado por hostil ao homem, assim como tudo o que o ampara deve ser visto como seu amigo.

Nada comprova tão intensamente os falsos princípios das instituições civis quanto o princípio político da necessidade de manter o povo na ignorância. Esse princípio se justifica com base em considerações de verdade relativa: por exemplo; suponha que qualquer nação cultive a verdade; na proporção em que isso avança, a coerção recua e, por fim, relega a humanidade a um estado de liberdade absoluta que porventura é empregado para o desfrute da felicidade, ou um estado de prazer, repouso e contentamento. Se as nações vizinhas continuam em um estado de ignorância, a coerção as obrigaria a substituir prazer por riqueza e poder, repouso por trabalho e consternação, e contentamento por ambição e avareza. Tal disposição as levaria a invadir seus vizinhos felizes, a fim de subjugá-los e escravizá-los; [...]

As nações estremecem, portanto, diante desse efeito da verdade, e estremecem diante da revolução ou da inovação, que poderiam transformar suas sementes em carvalhos adultos, embora estes últimos devam, por fim, vegetar sobre toda a Natureza e protegê-la dos danos da ignorância e da violência. [...] A verdade e a Natureza opõem-se às ondas recuantes e espumantes, e nunca permitem uma calmaria no lago da humanidade, ao passo que o erro, como um furacão, continua a perturbar suas águas.

[...] alguns membros do senado britânico, ainda não chegados a um estado de existência intelectual, votam pela continuação da escravidão e miséria africanas, e sem dúvida perpetuam essa injustiça e crueldade para suas próprias ligações, ou essência futura na Natureza. [...]

Consideremos agora quais são as causas que desordenam esses canais, ou se opõem a essa máquina, o homem, em seu progresso na linha reta para o bem-estar ou felicidade. Primeiro, vamos considerá-las em um Estado Individual.

Nesse estado, seus oponentes ou inimigos são males físicos como a fome, feras, doenças, a desordem dos elementos e os inimigos de sua própria espécie.

ESTADO DE ASSOCIAÇÃO

[...] como o trabalho de um homem poderia sustentar vinte, a indolência inconquistável de alguns indivíduos perversos, que poderiam resistir à força da educação, nunca pode ser razão suficiente para empregar a coerção, que é o demônio de toda a Natureza sensível. [...]

O modo atual de associação é fundado na ignorância e no erro. A competição das nações por riquezas e poder as obrigou a sacrificar a felicidade em prol desses objetos, e os Estados e os indivíduos são ambos vítimas dessa mesma loucura.

Façamos um balanço da vida do homem no atual estado de civilização. O pobre, de cujo trabalho dependem as riquezas do Estado, é, pela avareza e política dos grandes deste mundo, obrigado a um trabalho tão excessivo que é reduzido a um estado de mera existência animal, e a uma dissolução prematura e dolorosa. Ele é estimulado de tal feita pelo aguilhão da necessidade que sua mente, presa ao objeto de seu trabalho, não lhe permite qualquer repouso, que é justa e unicamente onde a faculdade do pensamento pode se expandir e adquirir consciência da existência. Desse modo, seu corpo se torna um duto ou estágio doloroso da matéria em seu ciclo eterno. Os ricos e poderosos, causadores desse mal, são eles mesmos não menos miseráveis, embora estejam aliviados do aguilhão da necessidade que infligem aos outros, ao levá-los ao trabalho excessivo. Eles não trabalham o suficiente para garantir sua saúde, e isso os reduz a um estado de languidez, do qual buscam alívio na ocupação da mente, mas que, embora possa ser curado, causa, por hábitos sedentários, uma variedade de outros mais dolorosos.

As leis morais da castidade oprimem com maior violência as mulheres ricas do que as pobres. [...] pois os homens que conseguiram, pelo poder superior, impor essa lei ao sexo mais fraco, negam seus deveres; e a doença, a velhice prematura e dolorosa e a morte vingam sua traição, pois, ao impor a continência a todo o sexo gentil, os poucos, cujo senso e sensibilidade veem e rompem as algemas imaginárias da fantasia e reivindicam seu asilo natural legítimo. Devido ao pequeno número, têm que buscar subsistência na luxúria brutal de seus tiranos e se tornam repositórios, ou esgotos comuns de doenças tão pestilenciais que o homem, como a fênix, procria em um ninho em chamas.

As leis da castidade são destinadas a promover a população, e a população a aumentar a defesa [do Estado]. Não seria mais sábio ponderar se um povo infeliz deve multiplicado ou defendido? E, se for para agirmos como seres pensantes, conscientes de sua conexão eterna com o inteiro da Natureza, [não seria melhor assim] aumentar a quantidade de matéria em revolução animal, enquanto os dutos ou estágios de identidades fossem formados para comunicar miséria à matéria passiva e perpetuá-la à ativa, ou procriadora[?]

CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS SOBRE A MATÉRIA

A mente se atordoa com espanto ao refletir que as faculdades intelectuais parecem ter perdido sua gravitação natural em direção ao Eu, e são constantemente impelidas para além de seu verdadeiro centro. Elas formaram, ou imaginaram, um conhecimento do movimento, por uma inteligência universal — descobriram as leis das revoluções planetárias de mundos distantes — descobriram as várias leis da Natureza nas partes de seu próprio mundo habitado — e ainda assim o centro do Eu é tão desconhecido e negligenciado tal qual uma não-entidade.

Qual pode ser a causa desse fenômeno moral? [...] A única operação digna e útil das faculdades mentais não influenciada pelos preconceitos do costume e da educação é considerar o movimento e a natureza do Eu.

[...]

O Eu é a cadeia que conecta o Homem à Natureza; e embora sua vibração seja forte no sentido do tato, o pensamento não pode lhe dar forma. Ele gira em torno do núcleo universal da Natureza no mundo moral, e está conectado à órbita infinita de outros Eus por raios da simpatia, que é para a moral o que a atração é para o sistema físico.

[...] O primeiro golpe dado pelo homem, no estado de ignorância, à cadeia ou conexão do Eu e da Natureza, ao violar a vontade de um semelhante, causou uma vibração tão terrível que ameaça uma durabilidade eterna: mas chegará a época de seu repouso ou diminuição uma vez que a razão humana for declarada livre, [...]

Esse poder da mente humana de se separar de sua própria identidade e difundir com a Natureza apresenta a mesma dificuldade para entendimentos civilizados e aprimorados (mas nunca perfeitos) que a durabilidade eterna da matéria apresentaria para uma mente selvagem. Ele vê a matéria se dissolver e, portanto, pensa que ela está destruída; [...]

Atesto, sem a menor hesitação, que todos os homens eruditos ou engenhosos, na busca das artes e ciências, são desprovidos de sabedoria e absolutamente tolos, a menos que tenham primeiro obtido o conhecimento do Eu.

[...] Sir Isaac Newton, quando comparado a seres dotados de sabedoria, é, como o poeta observou, um mero macaco, e todo o seu conhecimento se torna pueril em comparação com a sabedoria, ou o conhecimento do Eu. Que benefício representa para a humanidade descobrir as leis do mundo natural, as quais não podemos aprimorar, em detrimento das leis morais, das quais dependem sua existência e felicidade? [...]

IDENTIDADE PESSOAL

[...] a identidade habita unicamente na ação do sistema nervoso, que se comunica e perpetua em matéria viva, e faz com que esse canal ou molde de matéria seja sensível à dor e ao prazer. Ademais, uma consciência superior da existência intelectual do Eu, Você e Eles direciona a máquina para o prazer e ensina a evitar a dor, provando que a dissolução do Eu, Você e Eles, pela morte ou pela falta de memória, é a mesma coisa. A Natureza perpetuará sua identidade na identidade dela; nervos vibrarão em identidades futuras nas quais você participará tal qual fez em sua identidade pessoal aos dois anos de idade, embora tenha perdido toda a recordação desse fato; e Eu, Você e Eles não significam mais do que parcelas do todo eterno, a Natureza.

[...]

Todas as tentativas de a mente humana descobrir a causa primeira do movimento são um ato tão fraco e pueril quanto pular para agarrar uma estrela; uma mente iluminada nunca tenta descobrir a causa primária do movimento, até mesmo em sua própria existência, mas antes se contenta com as causas secundárias que produzem a vontade. Ela ocupar-se-á inteiramente de descobrir meios para direcionar esse movimento ou vontade, com o qual é impulsionado em uma linha direta para o bem-estar ou felicidade.

EU [CONTINUAÇÃO.]

O estudo desse importante tema (apesar de ser desconhecido e negligenciado) explicará todo o mistério do mundo moral. O Eu é Deus — o Eu é religião — o Eu é virtude, sabedoria, verdade e felicidade. O maior poder e operação das faculdades mentais consiste em inverter e refletir sobre o Eu: pois quem obtém o conhecimento de si mesmo saberá como amar a si mesmo e, ao tornar o Eu pleno, comunicará felicidade a toda a matéria animada. [...]

[...]

A EDUCAÇÃO DA NATUREZA

Consiste no exemplo e na instrução dos mais velhos para os jovens, para remover todas as inclinações perigosas para a maldade antes que a faculdade de julgar assuma sua maturidade, seja para violar a liberdade de nossos semelhantes, sejapara confundir ou suprimir a maturidade do julgamento, proferindo falsidades para corrompê-lo e desviá-lo.

Os pais devem ser separados de seus filhos assim que a faculdade de julgar emerge, e a Natureza deixa de exigir cuidados parentais. Dessa forma, o afetuoso intercâmbio não tenderá a enfraquecer os hábitos sociais, impedindo-os de estender o Eu na existência abrangente e ampla da órbita da Natureza, o pai universal e comum, [...] As crianças devem se misturar com os demais membros da sociedade, e os pais devem se afastar de todas as atenções parciais, e a menor parcialidade deve ser evitada como um inimigo da sociedade. [...] A religião da Natureza, a moralidade e a política serão posteriormente comunicadas na idade adulta por intermédio de exemplos e conversas da sociedade.

[Sobre o modelo da Antiguidade]

[...] Essa adoção cega das ideias dos antigos prova que muitos modernos não possuem a capacidade de formar novas ideias; pois um homem dotado de menor força em suas faculdades mentais deve descobrir que, como o tempo em seu progresso muda universalmente as circunstâncias da vida. A ideia que era sábia ontem pode ser loucura hoje, pois não coincide com os novos eventos da nova era. É essa veneração cega pela antiguidade que é tanto a origem quanto a perpetuação da atual ignorância da humanidade;

[...]

Os cetros de bétula dos tiranos e pedagogos ignorantes devem ser quebrados, e associados virtuosos, sábios e amáveis devem assumir seus postos. A instrução deve ser instilada na mente voluntariamente e, por assim dizer, imperceptivelmente, da qual os esportes e passatempos devem ser o principal meio.

[...]

A MORALIDADE DA NATUREZA

[A moralidade da natureza] consiste nos meios de obter felicidade ou bem-estar para o Eu imerso na sociedade. Os prazeres dos sentidos devem ser particularmente cultivados e direcionados pelos seguintes axiomas importantes e universais:

Renuncie a um prazer presente menor por um maior futuro.

Sofra um mal presente menor para evitar um maior futuro.

[...]

A RELIGIÃO DA NATUREZA.

PRINCÍPIO I. A Natureza é o grande inteiro do ser, ou matéria e movimento, sem começo assim como sem fim.

II. A humanidade é o instrumento da Natureza em seu movimento moral, formado para obter o bem-estar ou felicidade de toda a matéria animada.

III. Toda a matéria animada, por mais organizada, alterada ou dissolvida que seja, está relacionada entre si como parte interdependente da imensa totalidade da Natureza.

IV. Corpos intelectualizados e dotados de identificações de Eu, Você e Eles são criados de forma a adquirir consciência da existência mediante sensações de prazer e dor; e embora essas [identidades individuais] sejam aniquiladas na dissolução dos corpos, ainda assim, na condição de partes da Natureza, estão ocupadas da dor e do prazer futuros de seu todo comum, do qual são inseparáveis, mesmo que estejam sujeitos a mudanças e ciclos infinitos.

V. O movimento moral e físico está sujeito a leis fixas, que produzem a vontade — a causa da ação na matéria animada.

VI. O julgamento ou resultado da operação das faculdades mentais pode ter conhecimento apenas das causas secundárias, que aparentemente controla e direciona para produzir bem-estar ou felicidade à sua essência, a qual sempre suporá ser o objeto das causas primárias.

VII. O intelecto humano não tem poder para ir além dessas causas secundárias da vontade e de seu fim, que é a felicidade, e tudo que os transcende lhes é incompreensível. O raciocínio da analogia é capaz de influenciar apenas probabilisticamente, e tal probabilidade deve ser considerada em relação à felicidade de toda a Natureza animada.

VIII. O homem, ao formar sua volição de forma a obter felicidade, começa consigo mesmo como o centro e se estende ao círculo formado por toda a matéria animada. Ele deve desejar apenas para si e não fazer violência a qualquer parte da matéria animada; e na órbita da atração social, ele deve imitar a órbita dos corpos celestes, cuja repulsão e atração recíprocas operam sem colisão ou violência ao centro, ou ao ponto [de convergência], o Eu. O homem não cede, mas reforma sua volição quando se encontra em colisão com a de outro, de forma a adquirir maior felicidade, considerando-se uma parte componente nessa relação eterna com o grande inteiro da Natureza; assim, ele produz e eterniza um sistema de harmonia moral, ou dor e prazer, do qual deve sempre ser um centro e deve tomar parte como uma parcela eterna dentro um todo eterno. Essa conexão é indissolúvel, embora o modo como se dá seja incompreensível e passe por todas as formas de matéria em um ciclo infinito.

Quando a mente contempla um assunto de tamanha importância, novidade e magnitude como a Religião da Natureza, ela se torna apreensiva e alarmada, e descende em sua vasta profundidade com cautela e terror. Em assuntos e pesquisas de utilidade e consequência infinitamente menores, quantas mentes não se tornaram debilitadas e absortas? A matemática sacrificou muitas vítimas, a astronomia mais ainda; a química absorveu e desarranjou muitas das faculdades mais fortemente organizadas. Contudo, o tema da religião desarranjou e destruiu tão universalmente as faculdades humanas que a razão parece ter perdido seus poderes de preeminência[...].

Para erguer o glorioso edifício da religião natural, de modo algum se faz necessário limpar os destroços do preconceito e do sacerdócio, que se tornam mera poeira quando os pesados rochedos da verdade, dos quais esse edifício é composto, são coletados e seu fundamento é lançado; mas, para que essa poeira não embarace os olhos fracos, uma única observação a condensará, tal qual uma série das nuvens, em uma lama palpável e a lavará para o esgoto comum da ignorância.

Em todos os países pelos quais viajei, sempre observei que a moralidade e a religião estavam constantemente em inimizade, e onde uma reinava, a outra era exilada.

Se começarmos o paralelo de examinação no Oriente e prosseguirmos com ele até o Ocidente, encontramos as nações asiáticas ocupadas metade do dia em cerimônias de religião, enquanto a outra metade do dia é passada em atos de malandragem, fraude e crueldade; em absoluto, não só a simpatia do coração e a retidão da mente não são praticadas, mas literalmente oblívias a eles. As nações da Europa seguem o mesmo paralelo, e os países mais religiosos são aqui também os mais imorais, algo que a Rússia e a Itália incontestavelmente provam; a França e a Inglaterra, por serem as menos religiosas, se destacam em moralidade, na mesma proporção em que abandonaram a religião.

Na Inglaterra, esse paralelo é fortemente ilustrado, onde a seita mais zelosa do mundo se torna um asilo para os mais abandonados da humanidade, e a sabedoria parece ter produzido um evento que, se a mente o visse através de um meio não preconceituoso, faria com que a religião se tornasse um suicida e morresse por suas próprias mãos.

Essa seita de idólatras mentais formulou um princípio que declara a moralidade inimiga da religião e que um homem obtém a recompensa do céu apenas pela credulidade. A cegueira do zelo levou esses entusiastas a produzir mais evidências em favor da religião natural e da verdade do que os argumentos mais engenhosos e elaborados de um filho da Natureza.

Os sacerdotes de todas as outras religiões, por mais que imponham suas divagações à ignorância de seus seguidores, são políticos o bastante para santificar suas loucuras com moralidade a fim de obter o apoio do governo, que, participando do erro e do preconceito dos governados, é incapaz de detectar o artifício superficial do sacerdócio, que, pela dispensa de perdão para os crimes mais atrozes, se trai de forma quase tão aberta quanto é o entusiasmo dos metodistas; e a tarifa de expiações e propiciações de um, e a blasfêmia ímpia contra a virtude do outro, são amplas evidências para condenar tais religiões no tribunal da sabedoria e da consciência, de impiedade, falsidade e traição à felicidade e ao bem-estar de toda a Natureza sensível.

Se essas observações não forem compreensíveis ou satisfatórias, devo remeter meu leitor ao Sistema da Natureza escrito em francês por M. Mirabaud, [agora atribuído ao Barão D'Holbach,] onde o erro é tão de perto combatido e perseguido em todos os seus recessos que a mente, por convicção irresistível, emerge de seu abismo e busca com impaciência um novo guia, ou a luz da Natureza, que espero ser encontrada nestas páginas, e que elas formem um suplemento completo àquela obra.

O progresso do pensamento humano, ou movimento moral, ao meridiano da essência humana, foi reprimido e interrompido por um assentimento da mente à Inteligência como sendo a causa primária de toda matéria e movimento, devido à sua propriedade de ordem e analogia com a inteligência humana. Mas que efeito esse assentimento produz? Uma dolorosa aquiescência aos males da vida, repleta de dúvida e terror do futuro.

A Religião da Natureza considera a causa do movimento como algo incompreensível, e estuda apenas o efeito como sendo algo interessante e importante, e sancionado pela Utilidade, que é o deus da Natureza. Quando a fome impulsiona, o homem sábio hesita em comer até descobrir a causa dessa paixão? Não, ele se empenha seriamente em obter sua gratificação. Assim faz o filho da Natureza com o movimento moral ou ação; ele não considera sua causa, mas estuda para conduzi-lo ao seu fim, ou o bem-estar do eu, como o centro do grande sistema da matéria animada, que, como os sistemas celestes de planetas, se move na ordem da influência unitária, e nenhuma parte de um pode perder sua gravidade ou atração, ou o outro sua simpatia ou retidão, sem comunicar desordem ou dor ao todo; e o mundo moral deve permanecer em seu caos atual até que a sabedoria tenha vencido o primeiro combate sobre a coerção e a tenha confinado à lei sucinta de restringir a vontade dos violadores; e nesse estado ela logo esgotaria seu próprio elemento e se dissolveria.

Esse triunfo da sabedoria só pode ser acelerado pelas enormidades dos males políticos e pela guerra destrutiva, que, tendo o mesmo efeito terrível que a anarquia nos Estados individuais, tornarão a confederação das nações tão necessária para a segurança da humanidade quanto o governo doméstico.

Nessa era, uma vez que toda competição nacional for destruída e a comunicação pacífica do comércio promova o intercâmbio intelectual, a competição individual também arrefecerá; e a Manufatura [Industry], o terrível inimigo da verdade e da felicidade, que sob o véu da necessidade e da avareza é cultivado como um amigo, será substituída pelo repouso, o único meio através do qual a existência intelectual ou a consciência pode ser obtida. A industriosidade [industry] que a Natureza exige como meio de existência e conforto é um repouso quando comparada com o trabalho destrutivo que a competição das nações e a avareza dos indivíduos poderosos impõem a seus semelhantes.

Entre os vários dispositivos e artifícios que a engenhosidade do homem inventou, através das instituições civis, políticas e domésticas, para preencher a medida da vida, está o do arqui-inimigo, a Manufatura [Industry], que fez um buraco no fundo do vaso o qual, como a urna das Danaides, excita e zomba das mãos laboriosas que o enchem. [...]

Na França, onde foram obrigados, na recente revolução, a estender a mão da lei para tirar o camponês de um abismo de miséria, assim que o estabelecimento do governo remover os temores dos ricos, a abolição de impostos, direitos feudais, etc. etc. será exigida, seja do trabalho ou do bolso dos pobres; pois o homem rico tem a mesma vantagem sobre ele no escambo de seu trabalho que um usurário opulento sobre o mutuário necessitado, além de ser ele quem dita o contrato. Se a lei interceder para aliviar os pobres, fixando a quantidade e o preço do trabalho, a política exige a competição das nações para exigir muito trabalho a um preço baixo, a fim de que o comércio possa ser estendido, e o movimento moral impulsionado pela ignorância forma milhões de dutos ou identidades miseráveis para contaminar os estágios da felicidade, através dos quais a matéria animada, em sua revolução eterna, comuta a conexão indissolúvel da identidade e da Natureza.

[...]

A religião da Natureza difere da religião inventada, pois a primeira adora o efeito do movimento, que é compreensível, e a última a causa do movimento, que é incompreensível.

APÊNDICE

Os maiores gênios da humanidade confinaram até agora todas as suas especulações no círculo da existência animal, e a verdade relativa serviu-lhe de bússola. A Revelação da Natureza ultrapassou esses limites e abre ao homem o extenso mundo da vida intelectual. A bússola aqui deve ser a verdade abstrata, e a medida longitudinal da vontade de toda a Natureza sensível. O ser que faz violência a um inseto navega sem um mapa ou bússola e deve naufragar nos bancos de areia da vida animal. Ele pode, no uso de sua própria vontade defensiva, remover ou destruir o inseto, caso ele continue a lhe causar dor real ou corporal; mas então o pensamento e a simpatia devem ter em vista a utilidade de toda a Natureza, e a violência deve ser proporcional a uma estrita necessidade, e isso com extremo arrependimento e dor para o agente. Por essa moderação, a simpatia será preservada, e a cadeia da Natureza não receberá vibração da dissolução ou mudança de qualquer elo particular, cuja animalidade ou ignorância perturbou a felicidade da parte mais sensível da Natureza. Essa moderação é contrariada pela verdade relativa na existência animal, pois a simpatia se tornaria a vítima de sua própria virtude. [...] O atual estado da civilização aumentou tanto os desejos e paixões artificiais dos homens que o Eu assim se contrai em um ponto e quase não possui força centrífuga suficiente para alcançar a órbita dos parentes ou amigos. Que distância entre esse círculo estreito e o imenso de toda a Natureza sensível!

[...]

Não pude dar um desfecho para meu livro sem acrescentar algumas considerações adicionais sobre o ponto máximo da virtude, a Simpatia.*

* Sympathy, no original, provavelmente no sentido etimológico do termo,, συν + πάθος, tal qual era empregado pela filosofia da Empfindsamkeit alemã à época (vide Lessing e Mendelssohn). Refere-se à capacidade de compartilhar os sentimentos de outra pessoa, seja alegria ou sofrimento. É um termo que frequentemente aparece em discussões sobre empatia e compaixão, com o qual pode ser relacionado. (Nota do Tradutor)

A simpatia é a gravitação do sistema moral, e os homens, na proporção em que sua essência contém menos ou mais, tornam-se meteoros agitados por toda rajada de paixão ou corpos intelectualizados, movendo-se com sua densidade na órbita virtuosa e estável da sociedade, e compreendendo toda a Natureza sensível.

Em um alto estado de animação ou sensibilidade, desprovido de razão, como é encontrado em alguns personagens entre as nações inglesas, irlandesas e malaias, a Simpatia muda sua natureza e se deleita no sofrimento de criaturas sensíveis.

[... Nota, Em: "PENSAMENTOS sobre o GOVERNO."]

Devo advertir meus leitores para não confundirem a doutrina da eternidade da existência sob diferentes modos de inter-revolução com a doutrina pitagórica da transmigração do espírito.