Thomas Taylor. O Credo do Filósofo Platônico

  1. Creio que haja uma causa primeira de todas as coisas, cuja natureza é tão imensamente transcendente que é até mesmo supraessencial; e que, em consequência disso, ela não pode propriamente ser nomeada, nem expressa em palavras, nem concebida por opinião, nem conhecida, tampouco percebida por qualquer ser.
  2. Creio, porém, que, se for lícito dar um nome ao que é verdadeiramente inefável, as denominações de O Uno e O Bem são, dentre todas, as mais adequadas; a primeira indica que se trata do princípio de todas as coisas, e a segunda, que se trata do fim último do desejo de todas as coisas.
  3. Creio que este princípio incomensurável gerou as coisas primeiras, mais próximas de si, coisas mais semelhantes a si mesmo; assim como o calor que imediatamente procede do fogo é mais semelhante ao calor que reside no fogo, e a luz que emana imediatamente do sol é mais semelhante àquela que o sol contém essencialmente. Assim, este princípio produz muitos princípios próximos a si.
  4. Creio também que, como todas as coisas diferem umas das outras e se multiplicam com suas próprias diferenças, cada uma dessas multitudes está suprimida [suspended] do princípio que lhe é devido. Que, em consequência disso, todas as coisas belas, seja nas almas ou nos corpos, estão suprimidas [suspended] de uma fonte una de beleza. Que tudo o que possui simetria, tudo o que é verdadeiro, e todos os princípios são, de certa forma, conatos ao princípio primeiro, na medida em que são princípios, considerando a devida sujeição e analogia. Que todos os outros princípios estão compreendidos neste princípio primeiro, não com intervalo e multitude, mas como partes no todo e papel na mônada. Que ele não consiste em um princípio específico como cada um dos demais; pois destes, um é o princípio da beleza, outro da verdade, e outro de algo mais, embora ele seja simplesmente princípio. Tampouco se trata simplesmente do princípio dos seres, mas sim do princípio dos princípios: é necessário que a propriedade característica do princípio, da mesma forma que as outras coisas, não tenha início na multiplicidade, mas seja recolhida em uma única mônada como um ponto mais alto, que é o princípio dos princípios.
  5. Creio, portanto, que as coisas geradas pelo bem primevo, por serem a ele conatas, não se apartam da bondade essencial, uma vez que permanecem imutáveis e inalteradas, e estão eternamente instituídas na mesma bem-aventurança. Todas as outras naturezas, porém, sendo produzidas pelo bem único e seus múltiplos bens, uma vez que decaem da bondade essencial e não estão imutavelmente instituídas na natureza do bem divino, são assim possuidoras do bem apenas por coparticipação.
  6. Creio que todas as coisas, consideradas como causalmente subsistentes dentro deste princípio incomensurável, sejam transcendentes e excelentemente superiores ao que são quando consideradas como efeitos dele procedentes. Eis o princípio propriamente atribuível a todas as coisas, anterior a todas as coisas; prioridade aqui denota a isenção da transcendência. Da mesma forma como o número pode ser considerado como ocultamente contínuo na mônada, e o círculo no centro, essa continuidade oculta é a mesma em cada elemento que a continuidade causal.1
  7. Creio que o modo mais próprio de venerar este grandioso princípio dos princípios seja propagar, em silêncio, as inefáveis parturições da alma rumo à sua inefável co-sensação; e que, se for de algum modo cabível celebrá-lo, havemos de celebrá-lo como a uma escuridão triplamente arcana, como o Deus de todos os Deuses; a unidade de todas as unidades; como mais inefável que todo silêncio e mais oculto que toda essência; como santo entre os santos, esconso em sua primeira progênie, os Deuses inteligíveis.
  8. Creio que as naturezas autocontínuas [self-subsistent]2 sejam as descendentes imediatos deste princípio, se assim for lícito denominar coisas que outrora deveriam ser chamadas de desdobramentos inefáveis rumo à luz a partir do inefável.
  9. Creio que as formas ou ideias incorpóreas que residem em um intelecto divino sejam os paradigmas ou modelos de tudo o que possui uma continuidade perpétua conforme a natureza. Que essas ideias subsistem em primeira instância nos intelectos mais elevados, e em segunda instância nas almas e, em última instância nas naturezas sensíveis; e que elas subsistem em cada uma, caracterizando-se pelas propriedades essenciais dos seres em que estão contidas. Que elas possuem um poder paternal, fecundativo, guardador, conectivo, aperfeiçoador e unificador. Que, nos seres divinos, elas possuam um poder criador e gnóstico; na natureza, um poder criador, mas não gnóstico; e nas almas humanas, em sua condição atual, devido a uma degradação do intelecto, um poder gnóstico, mas não criador.
  10. Creio que este mundo, sendo dependente do artífice divino — que é, ele mesmo, um mundo inteligível, repleto das ideias arquetípicas de todas as coisas —, flua perpetuamente e avance perpetuamente rumo ao ser e, comparado ao seu paradigma, não tenha estabilidade ou realidade de ser. Que, no entanto, sendo animado por uma alma divina, na condição do receptáculo de divindades das quais os corpos estão suspensos, é justamente o que Platão chama de um Deus abençoado.
  11. Creio que a grande massa deste mundo, que subsiste em uma perpétua dispersão de extensão temporal, possa ser devidamente chamada de um todo — com uma continuidade total —, ou um todo de todos, devido à perpetuidade de sua duração, embora isso não seja mais do que uma eternidade fluente. Que os outros todos que ele contém são as esferas celestes, a esfera do éter, o todo do ar considerado como um grande orbe, o todo da terra e o todo do mar. Que essas esferas são partes com uma continuidade total e, através dessa continuidade, são perpétuas.
  12. Creio que todas as partes do universo são incapazes de participar da providência da divindade de maneira análoga, embora algumas de suas partes desfrutem dela eternamente, e outras temporariamente; algumas em um grau primário e outras em um grau secundário. Isso porque o universo, sendo um todo perfeito, deve ter uma primeira, uma média e uma última parte. Mas suas primeiras partes, por compartilharem a mais excelente das continuidades, devem sempre existir de acordo com a natureza; e suas últimas partes devem, por vezes, existir de acordo com a natureza e por vezes contrariamente a ela. Daí os corpos celestes, que são as partes primeiras do universo, subsistirem perpetuamente de acordo com a natureza, tanto as esferas inteiras quanto a multitude coordenada a esses todos. A única alteração que experimentam é uma mutação de figura e variação de luz em diferentes períodos. Todavia, na região sublunar, enquanto as esferas dos elementos permanecem em função de sua continuidade, como todos, sempre de acordo com a natureza; as partes desses todos por vezes possuem uma subsistência natural, e por vezes não natural: somente assim o círculo generativo pode desdobrar toda a variedade que encerra em si. Os diferentes períodos, portanto, em que essas mutações acontecem, são com grande propriedade chamados por Platão de períodos de fertilidade e esterilidade: pois nesses períodos ocorre uma fertilidade ou esterilidade de homens, animais e plantas. Desse modo, em períodos férteis, a humanidade será mais numerosa e, em geral, superior em dotes mentais e corporais a pessoas de um período estéril. Um raciocínio semelhante deve se estender aos animais irracionais e às plantas. A consequência mais terrível, igualmente, que acompanha um período estéril em relação à humanidade é a seguinte: que em tal período eles não têm teologia científica e negam a existência da progênie imediata da causa inefável de todas as coisas.
  13. Creio que, como as divindades são eternamente boas, profícuas, mas nunca nocivas, sempre subsistindo no mesmo e uniforme modo de ser, somos unidos a elas por meio da semelhança quando somos virtuosos, mas separados delas por meio da dessemelhança quando somos viciosos. Que, enquanto vivermos de acordo com a virtude, participamos na esfera dos Deuses, mas os tornamos nossos inimigos quando nos tornamos malignos: não que eles se irem (pois a ira é uma paixão, e eles são impassíveis), mas porque a culpa nos impede de receber as iluminações dos Deuses e nos sujeita ao poder dos dæmons da justiça fatídica. Assim, creio que se obtivermos o perdão de nossa falta por meio de orações e sacrifícios, não aplacaremos os Deuses, tampouco causaremos qualquer mutação neles; mas, por métodos do tipo e por nossa conversão a uma natureza divina, aplicaremos um remédio a nossos vícios e nos tornaremos mais uma vez partícipes da bondade dos Deuses. Desse modo, é a mesma coisa afirmar que a divindade se afasta dos maus e dizer que o sol se oculta daqueles que estão privados da visão.
  14. Creio que uma natureza divina não está destituída de coisa alguma. Porém, as honras que são prestadas aos Deuses são realizadas em benefício daqueles que as prestam. Daí, como a providência dos Deuses se estende a toda a parte, somente um certo hábito ou aptidão é necessária para a recepção de suas transmissões benéficas. Mas todo o hábito se produz por meio de imitação e de semelhança. Nesse sentido, os templos imitam os céus, e os altares, a terra. As estátuas remetem à vida e, por isso, são semelhantes aos animais. As ervas e as pedras remetem à matéria; e os animais que são sacrificados, à vida irracional de nossas almas. De tudo isso, porém, nada acontece aos Deuses além do que já lhe está reservado; pois que acréscimo pode ser feito a uma natureza divina? Antes, por esses meios uma conjunção de nossas almas com os Deuses é efetuada.
  15. Creio que, da mesma forma como o mundo, considerado como um abrangente e enorme todo, consiste em um animal divino, tudo que nele está contido é um mundo, possuindo em primeiro lugar uma unidade perfeita em si que procede do inefável, pela qual se torna um Deus; em segundo lugar, é um intelecto divino; em terceiro lugar, é uma alma divina; e, por último, é um corpo deificado. Creio que cada um desses todos é a causa produtora de toda a multitude nele contida e, por isso, é dito ser um todo anterior às partes; pois, uma vez considerado o possuidor de uma forma eterna que mantém todas as suas partes unidas e confere ao todo a perpetuidade da subsistência, ele não é deficiente de tais partes para que atinja a perfeição de seu ser. Segue-se daí, por uma necessidade geométrica, que esses todos que ocupam um lugar tão elevado no universo devem ser animados.
  16. Destarte, creio que, a partir do incomensurável princípio dos princípios, no qual todas as coisas subsistem causalmente — imerso como é em luz supraessencial e envolto em profundezas insondáveis —, procede uma bela série de princípios, todos amplamente participantes do inefável e todos cunhados com os caracteres ocultos da divindade. Todos possuem uma plenitude transbordante de bem. Dessas sumidades deslumbrantes, dessas florescências inefáveis, dessas propagações divinas dependem ser, vida, intelecto, soul, natureza e corpo; [são] mônadas desprovidas de unidades, naturezas deificadas procedentes de divindades. Creio que cada uma dessas mônadas é a líder de uma série que se estende até as coisas últimas e que, ao mesmo tempo que procede dela, nela permanece e a ela retorna. Assim, todos os seres procedem e estão compreendidos no ser primevo; todos os intelectos emanam de um primeiro intelecto; todas as almas, de uma alma primeira; todas as naturezas florescem de uma natureza primeira; e todos os corpos procedem da massa vital e luminosa do mundo. Creio que todos essas grandes mônadas estão compreendidas na primeira, da qual tanto elas quanto todas as suas séries dependentes se desdobram rumo à luz. E, portanto, esta primeira é verdadeiramente a unidade das unidades, a mônada das mônadas, o princípio dos princípios, o Deus dos Deuses, o um e todo das coisas, e ainda assim o Uno anterior a todos os demais.
  17. Creio também que, entre os Deuses, alguns são mundanos e outros supramundanos; e que os mundanos são aqueles que fabricam o mundo. Entre os supramundanos, porém, alguns produzem essências, outros intelecto e outros alma; nesse sentido, eles se distinguem em três ordens. Entre os Deuses mundanos, ademais, alguns constituem-se como as causas da existência do mundo; outros o animam; outros ainda o harmonizam, sendo assim compostos de naturezas distintas. Por fim, outros o guardam e preservam uma vez que está harmonicamente organizado. Como essas ordens são quatro, e cada qual consiste de coisas primeiras, médias e últimas, é necessário que seus governantes sejam doze. Daí Zeus, Poseidon e Hefesto fabricam o mundo; Deméter, Hera e Ártemis o animam; Hermes, Afrodite e Apolo o harmonizam; e, por último, Héstia, Atena e Ares presidem sobre ele com um poder guardião. A verdade disso se deixa ver nas estátuas, assim como em enigmas. Pois Apolo harmoniza a lira; Palas Atena é investida de armas; e Afrodite está nua (pois a harmonia produz a beleza, e a beleza não se oculta em sujeitos de inspeção sensível). Creio também que, como esses Deuses possuem o mundo primariamente, é necessário considerar os outros Deuses mundanos como a eles contínuos; a saber, Dionísio em Zeus, Esculápio em Apolo e as Graças em Afrodite. Podemos também contemplar as esferas com as quais estão conectados, a saber: Héstia com a Terra, Poseidon com a Água, Hera com o Ar e Hefesto com o Fogo. Mas Apolo e Ártemis são atribuídos ao Sol e à Lua; a esfera de Cronos é atribuída a Deméter; o Éter a Palas; e o Céu é comum a todos eles.
  18. Creio também que o homem é um microcosmo, compreendendo em si mesmo, parcialmente, tudo o que o mundo contém divina e holisticamente. Que, por isso, ele é dotado de um intelecto que dá continuidade à energia, e de uma alma racional que procede com as mesmas causas daquelas das quais procedem o Intelecto e a Alma do universo. E que ele tem igualmente um veículo etéreo análogo aos céus e um corpo terreno composto dos quatro elementos, com o qual também está coordenado.
  19. Creio que a parte racional em que consiste sua essência humana é de uma natureza autopropulsora, e que ela tem continuidade entre o intelecto, que é imóvel tanto em essência quanto em energia, e a natureza, que tanto move quanto é movida.
  20. Creio que a alma humana, assim como toda alma mundana, se vale de períodos e restituições de sua vida individual. Pois, em consequência de ser medida pelo tempo, ela se energiza transitoriamente e possui um movimento próprio. Mas tudo o que é movido de modo perpétuo, e tudo o que participa do tempo, revolvendo periodicamente, procede de uma e mesma origem.
  21. Creio também que, como a alma humana se classifica entre a quantidade daquelas almas que às vezes seguem as divindades mundanas, em consequência de subsistir imediatamente após anjos, dæmons e heróis — os perpétuos atendentes dos Deuses —, ela possui o poder de descender infinitamente para a região sublunar e de ascender de lá para o ser real. Que, em consequência disso, a alma, enquanto habitante da terra, está em uma condição de decaída, de apóstata da divindade, de exilada do orbe da luz. Creio que ela só pode ser restaurada, enquanto estiver na Terra, à semelhança divina, e ser capaz, após a morte, de reascender ao mundo inteligível, pelo exercício das virtudes catárticas e teóricas; as primeiras purificá-la-ão das impurezas de uma natureza mortal, e as últimas elevá-la-ão à visão do verdadeiro ser. E creio que tal alma retorna após a morte à sua estrela afim, da qual descendeu, para desfrutar de uma vida abençoada.
  22. Creio que a soul humana contém essencialmente todo conhecimento, e que qualquer conhecimento que ela adquire na vida atual não passa de uma recuperação do que ela outrora possuiu; e creio que a disciplina o evoca de seus retiros adormecidos.
  23. Creio também que a alma é punida no futuro pelos crimes que cometeu na vida presente; mas que essa punição é proporcional aos crimes, não sendo perpétua; creio que a divindade pune não por ira ou vingança, mas para purificar a alma culpada e restaurá-la à perfeição própria de sua natureza.
  24. Creio também que a soul humana, ao partir da vida atual, se não estiver devidamente purificada, passará para outros corpos terrenos; e que, ao passar para um corpo humano, torna-se a alma desse corpo; mas se passar para o corpo de um bruto, não se torna a alma do bruto, mas é externamente vinculada à alma brutal da mesma maneira que os dæmons que a presidem estão vinculados, em suas operações benéficas, à humanidade; isso porque a parte racional jamais se torna a alma da natureza irracional.
  25. Por fim, creio que as almas que vivem de acordo com a virtude serão, em outros aspectos, felizes; e, quando separadas da natureza irracional e purificadas de todo corpo, estarão unidas aos Deuses e governarão o mundo todo, em consonância com as divindades por quem ele foi produzido.

Traduzido por F.V.Silva

Notas

1 Contínuo, continuidade = subsisting, subsistance. Taylor remete à noção da atividade espontânea do Uno e seu replicar em formas inferiores de Ser; somos naturezas 'subsistentes' no sentido de replicarmos, em nossas existências temporais, o ato criador do Uno. Nessa relação espontânea, definidora de nosso ser, reside nossa participação individual na totalidade que o Uno contém. O meio pelo qual refletimos essa participação oculta é a abstração intelectual, como sugere a comparação: assim como o círculo é uma abstração geométrica a todo centro, e assim como o número é a abstração aritmética a toda unidade básica da matéria, nossas existências refletem a participação no todo por meio da abstração filosófica (mais especificamente, trata-se de uma subsistência causal, de ordem lógica).

2 No original, self-subsistent. Ver comentário acima.