Plotino a serviço do platonismo

Por John Dillon

Originalmente publicado em Greece & Rome, Vol. XXXIX, No. 2, Outubro 1992

"Estes ensinamentos não são novidades, tampouco invenções recentes, tendo sido há muito atestados, quando não prescritos; nossa doutrina aqui é a elucidação de uma doutrina anterior e uma mostra da antiguidade dessas posições pode ser vista no testemunho do próprio Platão."

Esta citação é de Enéadas V 1.8 onde Plotino apresenta sua doutrina das três hipóstases — uma elaboração metafísica jamais proposta por Platão —, que encapsula o interessante vínculo que liga essa grande mente original à outra grande mente original que ele buscava reivindicar como a de seu mestre. Não há nada estranho, no universo intelectual da Antiguidade tardia, nesse desejo de pautar a própria doutrina em uma autoridade consagrada pelo tempo; o que é incomum é o grau de originalidade do homem que o faz.

O Plotino que desejo apresentar neste ensaio não é o platonista assíduo que ele mesmo se considerava, muito menos o filósofo sistemático que a maioria das autoridades modernas apresentam; busco defender uma visão menos familiar (embora cada vez mais reconhecida pela atual geração de estudiosos), a saber, a de um pensador com uma abordagem "aporética" e aberta à filosofia; a de um místico que também é racionalista, para quem o mundo inteligível é mais real do que o físico, embora esteja confiante de que seus contornos e funções possam ser estabelecidos mediante argumentos racionais.1

Após uma breve revisão de sua vida e obras, seguirei isolando certos princípios capazes de nos orientar pelo sistema de Plotino e, em seguida, examinarei seus componentes diversos — as três "hipóstases" e as relações entre cada uma delas; questões da alma e sua relação com o corpo e com o mundo material; além de questões de identidade pessoal e liberdade individual. Em todos os casos concentrar-me-ei no aspecto "aporético" de seu pensamento, em detrimento do dogmático.

A. Vida e obra

Nesse quesito, temos, por um lado, bastante sorte por termos em mãos algo que não temos para nenhum outro dos grandes filósofos da Antiguidade: um memorial pessoal escrito por um discípulo (Porfírio de Tiro, sucessor de Plotino e editor de suas obras), que deve ser classificado entre os melhores exemplares sobreviventes de biografia antiga. Por outro lado, não há como negar que a Vida de Porfírio (tradicionalmente prefixada à sua edição das Enéadas) deixa uma série de perguntas sem resposta. Farei um breve resumo do que descobrimos com ele sobre Plotino, levando em conta, ao mesmo tempo, algumas de lacunas inconvenientes.2

Plotino nasceu em Licópolis, no Alto Egito (detalhe que aprendemos não com Porfírio, mas com Eunápio e a Suda),3 em 204 d.C. Não sabemos nada substancial sobre suas circunstâncias familiares e juventude (até os 27 anos), já que isso não era algo de que ele gostasse de falar (Porf. Vida de Plotino, cap. 2). Contudo, tomando como base seu nome — que é um cognome romano — e da maneira como sua carreira se desenvolveu, podemos concluir que ele era de boa família.

Parece que só começou a estudar filosofia aos 27 anos, como relatou mais tarde a seus alunos (ibid., cap. 3), quando partir para Alexandria em busca de um mestre. Nenhum dos professores ali consagrados o agradou. Foi quando então um amigo o apresentou ao círculo de um professor situado à margem do sistema, alguém chamado Amônio Sacas, e ele ficou tão cativado por suas ideias que permaneceu ao seu lado por onze anos (232-243 d.C.).

Nesse ponto, porém, na primavera de 243, ele embarcou por uma aventura singular. Porfírio nos diz que o estudo com Amônio incutiu em Plotino um grande desejo de se informar sobre as doutrinas dos persas e dos indianos (sem dúvida uma consequência de uma certa tendência "orientalizante" na filosofia de Amônio, que ele teria derivado de Numênio). Assim, ele angariou para si um cargo na comitiva do Imperador Gordiano III, o qual estava organizando uma expedição contra os persas. Quanto essa abordagem o teria posto próximo as magi ou brahmas, de qualquer forma, não se comprovou, já que o imperador foi assassinado em fevereiro de 244 por membros de sua própria comitiva, liderados pelo líder pretoriano, Filipe, o Árabe, que assim sucedeu ao trono. Plotino escapou para Antioquia e, de lá, no outono do mesmo ano, seguiu para Roma, onde estabeleceu-se como filósofo (tendo sido auxiliado, sem dúvida, com contatos adequados, embora Porfírio não nos dê qualquer pista sobre sua motivação ou meios).

Pelo que sabemos, ele permaneceu em Roma, ou pelo menos na Itália (passando os verões na Campânia) até sua morte vinte e cinco anos depois, em 269. Ele morou (ao menos enquanto Porfírio o conheceu; ver Vida de Plotino, cap. 9) na casa de uma viúva rica chamada Gemina e construiu em seu entorno um séquito impressionante de seguidores proeminentes, incluindo muitos senadores e até o próprio imperador Galieno e sua esposa Salonina (ibid. 7, 12). Até a chegada de Porfírio em 263, seu principal discípulo foi Amélio Gentiliano, da Etrúria. Pouco da obra de Amélio sobreviveu, e pelo que sabemos, parece que suas contribuições para a filosofia não foram substanciais. Porfírio, por outro lado, que chegara ali via estudos em Atenas com o platonista Longino de Tiro, é uma figura de peso na história subsequente do platonismo, e também por seu serviço de incitar seu mestre a registrar seus pensamentos por escrito e então editá-los como um conjunto de seis livros de nove tratados, ou Enéadas.

Plotino, ao que parece, hesitava em registrar seus ensinamentos (ibid. 4). Ele só começou a escrever aos cinquenta anos, dez anos após chegar a Roma — fato que deve ser lembrado quando tentam falar de tratados "iniciais" — e mesmo quando Porfírio chegou, dez anos mais tarde, apenas vinte e um tratados haviam sido compostos, e esses geralmente não eram os mais substanciais. A maior parte das Enéadas foi composta quando Plotino tinha mais de sessenta anos. Isso não significa que o seu tenha sido um desenvolvimento tardio. Antes, seu caso foi o de alguém que superou uma aversão considerável à composição literária. Os tratados não são obras literárias refinadas, mas antes fluxos de consciência, registros dos argumentos de Plotino consigo mesmo ou com seus associados, geralmente decorrentes de sua leitura de algum texto de Platão ou Aristóteles, ou alguma exegese a tal texto. Ele não parece ter dado títulos a essas obras (ibid.), e ofereceu resistência considerável a reler o que havia escrito (ibid. 8). Dessa forma, Porfírio teve que fazer um trabalho considerável de edição para trazê-los ao estado em que os temos. Felizmente, Porfírio nos fornece uma listagem cronológica dos tratados (ibid. 4-6), assim como seu próprio arranjo dos textos por temas, de forma que podemos vislumbrar, em alguns casos, onde ele dividiu ensaios que Plotino compuseram em conjunto, em parte por razões temáticas, mas também em parte para trazer a totalidade até o número mágico de seis novenas. O exemplo mais notável dessa prática de Porfírio é a sequência Enéadas III 8 → V 8 → V 5 → II 9, que são quase certamente partes de uma única grande declaração dos posicionamentos de Plotino, provocada pelo desafio intelectual de alguns entusiastas do gnosticismo em seu círculo. Entre outros tratados importantes estariam VI 9 [9], "Sobre o Bem ou o Uno"; V 1 [10] "Sobre as Três Hipóstases Primárias"; II 4 [12], "Sobre os Dois Tipos de Matéria"; VI 4-5 [22-3], "Sobre a Razão pela Qual o Ser está Presente em Todo Lugar, Uno e o Mesmo"; IV 3-5 [27-9], "Problemas da Alma"; VI 7 [38], "Como a Multidão de Formas Veio a Ser, e sobre o Bem"; VI 8 [39], "Sobre o Livre-Arbítrio"; III 7 [45], "Sobre a Eternidade e o Tempo"; III 2-3 [47-8], "Sobre a Providência"; V 3 [49], "Sobre as Hipóstases Cognoscentes e o que está Além"; I 8 [51], "Sobre a Natureza dos Males"; e I 1 [53], "O que significa Estar Vivo?".

Plotino faleceu em 269/70 de decorrência de uma doença prolongada e dolorosa, na villa de seu velho amigo em Campânia, o médico árabe Zeto, assistido apenas por um de seus companheiros, Eustóquio. Amélio havia se retirado para Apameia na Síria, e Porfírio estava na Sicília, se recuperando de um episódio de depressão suicida. Não sabemos o que aconteceu com sua academia, se é que algo aconteceu; de qualquer forma assume-se que Porfírio passou a cuidar de sua administração — até onde havia algo para ser administrado — uma vez que regressou da Sicília. Sua influência sobre a doutrina platônica posterior foi profunda, embora seu método distintivo de filosofar não pareça ter sido adotado por qualquer filósofo posterior. Ele se destaca por si só como a única mente filosófica distintivamente original da Antiguidade tardia.

B. Alguns princípios gerais4

A primeira coisa que geralmente se enfatiza acerca do sistema de Plotino é que ele apresenta uma visão hierárquica da realidade. Seu primeiro princípio, "o Uno", ou Unidade Absoluta, está acima, é superior ao do Intelecto, o segundo princípio. O Intelecto, por sua vez, é similarmente superior à Alma; na parte inferior da escala está o mundo físico e a Matéria.

É deveras razoável encarmos esse sistema nesses termos. Eis uma característica que esse sistema herdou de Platão e que foi elaborado ao longo dos anos por gerações de platonistas. O contraste entre um âmbito de Ser imaterial e inteligível e um de Devir material e sensível é algo elementar para o platonismo, e uma distinção extra fora aceita (pelo menos a partir dos primeiros séculos d.C., mas talvez remontando à Academia Antiga nas gerações imediatamente posteriores a Platão) entre um princípio supremo ou Deus, que seria um intelecto transcendente e autopensante, e uma divindade secundária, uma Alma do Mundo, ou Logos (talvez melhor traduzido como "princípio racional"). Esse Logos que é imanente no mundo físico, ao menos parcialmente, apesar de ser imaterial. Nesse esquema, Plotino impõe uma camada adicional, na forma do Uno, acima do Intelecto e do Ser.

A hierarquia é, portanto, um traço manifesto de seu pensamento. Mas também é notável que Plotino, em muitas passagens, mostre considerar essa hierarquia não apenas verticalmente, mas também de certa forma concentricamente. O Uno de fato se encontra no centro da realidade, tal qual o centro de um círculo. Plotino é bastante afeiçoado à imagem do centro e do círculo, por exemplo, Enéadas IV 3, 17, 12 et seq.

Há, podemos dizer, algo que é um centro; ao redor dele, um círculo de luz se derrama sobre ele; ao redor do centro e do primeiro círculo, há outro círculo, luz decorrente da luz; fora disso, mais uma vez, não há outro círculo de luz, mas um que, carecendo de luz própria, deve toma-la emprestada.

O tratado importante em Enéadas VI 4-5 consiste em uma meditação extensa sobre esse tema. Ali, Plotino é muito mais analítico e penetrante do que seus predecessores, talvez até mais do que o próprio Platão, e isso afeta profundamente sua visão do mundo das Formas, como pode ser visto particularmente na primeira parte (caps. 1-15) de Enéadas VI, 7. Há apenas um universo, não dois ou mais, o qual podemos, contudo, considerar superficialmente, como um conjunto de objetos físicos. Ou podemos ver nele o funcionamento da Alma, ou então podemos penetrar em seu Ser, tal qual em um sistema de Formas. Ou, finalmente, podemos apreendê-lo, mística e extaticamente, como Unidade Absoluta.

Esse universo plotiniano se mantém unido por um processo de interação bidirecional entre os níveis de realidade, para o qual os termos comumente usados são "processão" (proodos) e "retorno" ou "reversão" (epistrophē). A processão não é exatamente emanação, como era tradicionalmente descrita, mas sim uma espécie de iluminação ou irradiação do inferior pelo superior, sem que algo essencial do superior flua para o inferior, como seria implícito pelo termo "emanação". É importante, antes de examinarmos os níveis separados de realidade no sistema de Plotino, apreciar adequadamente seu aspecto dinâmico em questão.

Plotino é essencialmente um monista, e para qualquer filósofo que sustente a visão, como ele faz, de que a realidade é basicamente uma, o problema a ser enfrentado é o de como a multiplicidade de um universo pode derivar disso. Caso alguém parta de um princípio primário que se encontra no auge tanto da unidade quanto da excelência, como poderia ele afirmar que qualquer outra coisa haveria de surgir daí? Para justificá-lo, Plotino raciocina da seguinte maneira: valendo-se de um princípio desenvolvido por Aristóteles em contextos biológicos - de que toda entidade, quando chega à perfeição, é naturalmente gerativa ou produtiva -, ele estabelece que o Um, seu princípio primário, sendo perfeito, deve ser produtivo. Ele deve, para usar uma metáfora favorita de Plotino, "transbordar" na produção de algo diferente de si mesmo. Esse "outro" deve, por razões lógicas, ser pior do que ele mesmo (não pode haver dois melhores — não pode haver nada melhor — tampouco igual, pois aí não haveria produção alguma), e "pior" aqui significa ligeiramente menos unificado e ligeiramente menos perfeito. Esse processo ocorre sem qualquer intenção consciente por parte do princípio primeiro — algo que seria incompatível com sua simplicidade, como veremos. Trata-se de um ato puramente instintivo, embora seja um ato levado a termo por um elemento de reflexividade por parte do produto — o novo nível de realidade cria a si mesmo ao regredir sobre sua fonte, de uma maneira que será discutida mais adiante.

Esse processo de produção se repete em vários estágios inferiores de realidade, resultando em graus cada vez maiores de multiplicidade e imperfeição, até que o processo atinja um fim lógico na produção de uma entidade, a "matéria", tão fraca que é incapaz de regredir, não podendo atingir qualquer grau de existência real, embora possa formar um substrato no qual os produtos do próximo grau mais baixo de realidade possam ser projetados.

Tenho consciência de que tudo isso soa extremamente abstrato e carece de detalhamento; mas quero, desde o início, focar nesse processo básico do universo plotiniano, antes de passar a um exame de seus vários produtos. Podemos agora prosseguir e dar-lhes os devidos nomes. Nesse sentido, o que quero enfatizar é a extensão em que as posições filosóficas de Plotino decorrem logicamente a partir de seu questionamento agudo da tradição que herdou, que é basicamente a tradição do platonismo do século II d.C. Seria bastante equivocado supormos, por exemplo, como foi feito no passado sem grandes problemas, que sua postulação de um princípio primeiro "acima" do ser e do intelecto consistiria em algum tipo de concessão ao "irracionalismo oriental" ou ao "misticismo". Plotino era um místico, como vimos, mas ele chega a suas doutrinas filosóficas em resposta a certos problemas de longa data dentro do platonismo, problemas que ele não foi capaz de ignorar ou varrer para debaixo do tapete como seus predecessores aparentemente fizeram.

C. O Sistema das Hipóstases: (i) O Uno

Um grande problema que Plotino herdou de sua tradição foi uma contradição entre a doutrina platônico-pitagórica do princípio primeiro como uma unidade radical — o Uno, ou uma mônada — e a crença, mais notavelmente enunciada por Aristóteles (mas que remonta a Anaxágoras), de que o princípio primeiro seria um intelecto (nous), especificamente um intelecto que pensa a si mesmo. Que o primeiro princípio fosse tanto uma mônada quanto um intelecto foi algo aceito já na Antiga Academia por Xenócrates, terceiro líder da escola após Platão — embora não tenha sido aceito, notemos, por seu predecessor, Speusipo, sobrinho de Platão, que parece ter postulado um Uno acima do ser. Isso se tornou a posição aceita do platonismo médio, sem que qualquer contradição fosse aparentemente observada entre a unidade absoluta e a autointelecção. No entanto, mesmo no período médio do platonismo, certas tensões nessa concepção se tornaram aparentes.

Tais tensões podem ser melhor contempladas na forma em que surgem em Numênio (fl.c. 140 d.C.), um pensador que exerceu uma influência particularmente forte em Plotino. Platão legou a seus sucessores ao menos a intuição de um princípio supremo, o Bem de República VI-VII, manifestado de várias outras formas em demais diálogos (e pensado, pelo menos em tempos posteriores, como o sujeito da primeira hipótese da última parte do Parmênides). Esse princípio seria o objetivo de todo esforço e, de alguma forma, a causa não apenas da cognoscibilidade, mas até mesmo da existência de todo ser verdadeiro. Platão legou também a ideia de um deus criador ativo, o "Demiurgo" do Timeu (com quem a figura divina do governante no mito do Político poderia ser relacionada): se alguém levasse sua existência a sério, claramente não se tratava de um princípio supremo, já que ele é retratado contemplando um modelo preexistente segundo o qual cria o mundo físico, além de ter uma relação "prática" com esse mundo que o Bem não tem.

Ao contemplar tal legado, alguns platonistas concluíram que o Demiurgo deveria ser despersonalizado e assimilado ao Logos estoico, ou ao aspecto ativo e criador de Deus. As formas platônicas seriam, assim, seus conteúdos. Já outros escolheram tomar o Demiurgo como um segundo deus, intermediário entre o Uno ou o Bem, por um lado, e a Alma5 e o mundo físico, por outro, ambos os quais ele teria criado (embora não em qualquer ponto no tempo) a partir de um substrato (logicamente) preexistente, a Matéria.

Numênio seguiu essa última corrente, propondo uma sequência de três deuses: o Pai, que, embora ainda seja um intelecto, é descrito como estando "em repouso" e "livre de todos os trabalhos", em oposição ao Demiurgo ou "Filho", que é um intelecto "em movimento" e o criador do mundo. Por fim, há o próprio mundo, visto como a Alma do Mundo imanente à Matéria. O primeiro deus de Numênio, no entanto, ainda é um intelecto. Ele é explicitamente identificado com o Bem de Platão e descrito como o criador do Ser, assim como o Demiurgo é o criador do reino do Devir (genesis). Se alguém é o criador do Ser, no entanto, não o deveria ser, estritamente falando, no mesmo sentido daquilo que cria, e, de fato, Numênio afirma mais adiante que "o ser do primeiro (deus) é diferente do do segundo" (que já é identificado com o Ser Verdadeiro).

Podemos constatar a partir disso (e devemos levar em conta que temos apenas fragmentos da obra de Numênio) que o conceito platônico do primeiro deus como um intelecto já era um ponto de tensão quando Plotino e seu mestre Amônio vieram a analisá-lo. Para Plotino, o problema foi exposto muito claramente, por exemplo, na última parte de Enéadas V 3 (caps. 10-17): qualquer tipo de intelecção, mesmo o autointelecção, deve envolver algum grau de dualidade entre um elemento subjetivo pensante e um elemento objetivo, pensado. Isso compromete a unidade absoluta e a simplicidade exigidas do primeiro princípio. Portanto, o pensamento não pode ser predicado do primeiro princípio (embora seja próprio de um princípio secundário).

Não há nada aqui que precise ser tomado como não helênico ou não platônico. Trata-se do resultado de uma análise rigorosa das implicações de postular a unidade como a realidade básica no universo. Que se deve fazer isso é bem argumentado no tratado (relativamente) precoce VI 9 [9]. Reconhecidamente, Plotino herda alguns problemas persistentes quanto à forma de "vida interior" que o Uno pode desfrutar (ele se mostra determinado de que ele não seja considerado inerte ou "morto" — trata-se, afinal, da fonte inesgotável de existência para todo o resto). Assim, embora ele enfatize sua transcendência e radical "alteridade", sua superioridade ao Ser e ao Intelecto, e sua incognoscibilidade por meio de qualquer faculdade regular de cognição, em várias passagens (mais notavelmente V 4 [7], VI 7 [38] e VI 8 [39], 16) ele se aventura a explorar que tipo de apreensão o Uno pode ter de si mesmo.

Afinal, eu diria que para Plotino o Uno não é realmente uma negatividade, a despeito da "teologia negativa" à qual ele frequentemente recorre ao tratar dele. De fato, ele fervilha de atividade. O problema é como expressar isso sem assimilá-lo à autointelecção de seu segundo princípio, o Intelecto, ou a qualquer tipo de atividade de entidades inferiores, da Alma para baixo. Em V 4, 2, ele efetivamente fala do Uno da seguinte maneira:

O objeto da intelecção [do Intelecto] (to noêton, ou seja, neste contexto, o Uno) permanece por si mesmo e não é deficiente, como aquilo que vê e pensa (ou seja, o Intelecto) — chamo aquilo que pensa deficiente em comparação com o Inteligível, embora não se trata de algo sem sentido; todas as coisas pertencem a ele e estão nele e com ele. Ele é plenamente capaz de discernir a si mesmo; traz vida em si mesmo e todas as coisas em si mesmo, e sua cognição [katanoêsis] de si ocorre por meio de uma espécie de autoconsciência imediata [hoionei synaithêsei], em repouso eterno e em uma maneira de pensar diferente da intelecção do Intelecto. (trad. Armstrong)

Esta passagem vem de um tratado "inicial" e, assim, por isso mesmo muitas vezes descartada ou minimizada, como se Plotino ainda estivesse sob a influência de formulações numenianas. Mas devemos ter em mente que nenhum tratado de um homem que começou a escrever aos cinquenta anos pode realmente ser considerado "inicial". É mais plausível argumentar que ele se tornou mais cauteloso em sua linguagem sobre esse tema à medida que passou a escrever mais, apesar de sempre se mostrar ansioso para evitar a impressão de que o Uno seria algum tipo de vazio ou negatividade. No ensaio plenamente maduro VI 8, onde se ocupa de argumentar que o Uno não é limitado pela necessidade, nem é aleatório ou "acidental", encontramos a seguinte passagem, no cap. 16:

E então, além disso, se ele (ou seja, o Uno, aqui referido no masculino) é supremo porque, por assim dizer, sustenta a si mesmo e, por assim dizer, olha para si mesmo, e esse chamado 'ser' dele é seu olhar para si mesmo, ele, por assim dizer, se faz e não é como por acaso, mas tal qual ele quer, e seu querer não é aleatório nem resultado do que sucedeu; pois, como se trata do querer aquilo que é o melhor, ele não é aleatório.

O uso repetido de hoion ("por assim dizer") é uma indicação do desconforto de Plotino, apesar de ele estar determinado a não negar ao Uno algum tipo de superconsciência.

(ii) Intelecto

Ao problema da "vida interior" do Uno se liga o problema de sua relação com o Intelecto, que Plotino postula como o princípio segundo de seu esquema metafísico. O primeiro estágio ou "momento" do Intelecto ao proceder do Uno é uma espécie de indefinição, que Plotino está preparado para identificar ocasionalmente com a Díade Indefinida da tradição oral platônica e com a "matéria inteligível".6 Em V 1, 7, 37 et seq., ele versas sobre o produto inicial do Uno da seguinte maneira:

Pois, sendo ele perfeito, teve que gerar e não ficar sem descendência, por se tratar de um poder tão supremo. Sua descendência, contudo, não poderia ser melhor do que ele (o mesmo não ocorre nem mesmo aqui embaixo), mas tinha que ser uma imagem inferior à sua, e da mesma maneira indefinida, embora definida por seu progenitor e, por assim dizer, foi-lhe atribuída uma forma.

É a reversão sobre seu princípio supremo (uma tendência característica de todos os princípios inferiores) que primeiro faz do Intelecto propriamente um Intelecto.

Plotino não está sendo obscuro aqui de propósito. Ele está, antes, combatendo problemas lógicos de natureza problemática. O Uno não é um intelecto, e não gera nada intencionalmente. O que procede dele também não pode inicialmente ser um intelecto. O aspecto reflexivo e autoconsciente que cria o intelecto é um estágio logicamente secundário nesse processo.

Outro aspecto problemático do âmbito do Nous é a relação entre o Intelecto como um todo e suas partes componentes, as formas, que também são intelectos; e, aliado a isso, o problema da natureza dessas formas. A questão da relação do Intelecto com seus conteúdos surge da especulação platônica posterior sobre a relação do "demiurgo", ou deus criador, do Timeu com o "paradigma", que é o modelo segundo o qual, no cenário mítico apresentado nesse diálogo, ele molda o mundo físico, além da especulação peripatética posterior (particularmente em um pensador como Alexandre de Afrodísias, do final do século II) sobre os conteúdos do primeiro princípio aristotélico, o "motor imóvel" que é um intelecto a pensar a si mesmo.

Plotino leva essas investigações a um novo nível de sofisticação, sobretudo na primeira parte (caps. 1-15) do grande tratado Enéadas VI 7 (como também em um tratado como V 9), embora sem resolver todos seus problemas. Para ele, cada forma individual reflete a totalidade do Intelecto, mas de sua própria perspectiva individual. Essas formas são melhor vistas, penso eu, como um sistema de fórmulas quase matemáticas, que se projetam sobre a matéria para produzir a multiplicidade do mundo físico. Em certo sentido, todos os aspectos desse mundo — até mesmo a terra, as pedras, os animais inferiores, a lama e os pêlos — são antecipados no mundo inteligível. O princípio estruturante desse mundo é visto como o número, e seu papel é discutido mais detidamente em Enéadas VI 6, "Sobre os Números", mas mais brevemente também em V 5, 4-5, onde o "número essencial" é apresentado como "o provedor infalível de substância para o pensamento divino".

Um tópico de considerável interesse e controvérsia contínua é se Plotino realmente acreditava em todas as formas individuais, uma proposição que ele parece aceitar em Enéadas V 7. Tal noção parece contrariar a teoria tradicional das formas, que se tratariam necessariamente de classes e conceitos gerais em vez de particulares. O tratado V 7, se lido com cuidado, parece ser como mais dialético do que dogmático em sua abordagem, embora eu esteja inclinado a pensar que Plotino desejava encontrar para a alma individual, vendo-a como uma espécie de particular único correspondente a uma forma, um lugar em seu nível de Alma, ao menos, se não de Intelecto. Não é claro como isso se relaciona à doutrina da reencarnação, no entanto, na qual ele também parece ter acreditado. De qualquer forma, é possível que ele tenha concebido uma forma de montante de manifestações individuais da mesma alma.

(iii) Alma

Para Plotino, a Alma é uma hipóstase bastante distinta do Intelecto, cuja relação com ela é análoga à do Intelecto com o Uno. Em ambos os casos, uma espécie de irradiação desprovida de esforço de sua fonte resulta, primeiro, em um fluxo indefinido e, então, em virtude de um processo de "regressão" sobre a fonte, na formação de um nível distinto e inferior de realidade. A essência e as atividades da Alma resultam de sua capacidade defectiva de reproduzir a natureza daquilo que contempla. Seus traços característicos são a temporalidade e o pensamento discursivo (dianoia).

O tempo é apresentado, em Enéadas III 7, como a "vida" da Alma, em contraste com a Eternidade (aiōn), o modo de existência do Intelecto, e a dianoia como seu modo próprio de pensamento, em oposição à noēsis não-discursiva do Intelecto, vis-à-vis uma passagem como a primeira metade de V 3 (caps. 1-9). No entanto, a Alma é uma entidade que abrange diversos níveis de realidade; ocasionalmente encontramos o aspecto mais elevado, ao menos, da Alma, sendo amplamente assimilado ao Intelecto. Em VI 4-5, por exemplo, onde Plotino está sobretudo preocupado com a onipresença do ser incorpóreo como um todo no corpo, muito pouca distinção se faz entre Alma, Intelecto e até mesmo o Uno. De fato, a distinção entre a Alma em seu aspecto não descendente e o Intelecto consiste em um problema lógico, pois o que faz da Alma distintivamente Alma é seu "descender" ou "desdobrar" do Intelecto, processo que a torna uma entidade temporal e discursiva. Mas isso só enfatiza, mais uma vez, o grau de continuidade que existe entre as várias hipóstases no sistema de Plotino.

A relação entre a hipóstase Alma, a Alma do Mundo e a alma individual é outra questão controversa, que Plotino aborda mais detidamente, quiçá, nas primeiras seções de Enéadas IV 3. Ali ele está preocupado em contrapor a visão estoica de que nossas almas são simplesmente partes de uma Alma do Mundo mais abrangente. Para ele, a relação é muito mais complicada do que isso. A Alma do Mundo e as almas individuais procedem da hipóstase da Alma, de forma que nos assemelhamos mais a sócios minoritários da Alma do Mundo, numa relação muito mais precária com nossos corpos do que ela tem, em vez de sermos "partes" ou ramificações dela.

Um problema adicional é o grau em que a alma individual (ou mesmo a Alma do Mundo) descende no âmbito da Matéria.7 Em III 6, 1-5, Plotino se ocupa em enfatizar que a Alma não pode descender na Matéria de forma a ser afetada por ela, com o resultado de que a zona obscura em que existimos, o reino da Natureza (physis), é habitada unicamente por projeções ou efluências fantasmagóricas da Alma. A própria Natureza é apresentada em V 2, 1, estranhamente, como "outra hipóstase" gerada pela Alma em sua tendência descendente, embora isso não deva ser tomado, penso eu, no sentido técnico de uma hipóstase. Mesmo assim, há aqui uma área de tensão no pensamento de Plotino ligada ao problema complementar das razões para a "queda" da alma, na medida em que ela de fato descende.

O fato de a alma "descender" de uma condição superior (e assim se constitui como alma) é uma noção que Plotino herda do próprio Platão e da tradição platônica, mas que, como de costume, ele investiga mais profundamente que seus predecessores. Certamente, a alma "cai", no sentido de que declina da identidade com o Intelecto, por meio de um desejo de autoidentidade, e esse esforço efetivamente gera o Tempo, como mencionei, e o modo de existência no qual nós e o mundo físico desenvolvemos nosso ser. Mas como devemos caracterizar esse desenvolvimento de um ponto de vista "moral"?

Em IV 8, Plotino deixa claro que, embora essa queda possa consistir em um infortúnio para a alma individual, o processo foi necessário para a completude do universo e é, portanto, em última análise, algo bom. Além disso, não se pode dizer que a Alma do Mundo e a parte mais elevada da alma individual descendem num sentido forte do termo. Uma declaração notável dessa última doutrina, sobre a qual Plotino é um tanto enfático (por exemplo, IV 8, 8; V 1, 10), como se estivesse consciente de que era controversa, ocorre em III 4, 3:

Pois a alma é muitas coisas e todas as coisas — tanto as coisas acima quanto as coisas abaixo, até os limites de toda a vida —, e cada um de nós é um universo inteligível [cosmos noêtos] a estabelecer contato com este mundo inferior por intermédio dos poderes da alma abaixo, embora pautados no mundo inteligível por seus poderes acima e os poderes do universo; e permanecemos com todo o resto de nossa parte inteligível acima, mas por sua borda final estamos ligados ao mundo abaixo, provendo uma espécie de fluxo dele para o que está abaixo, ou melhor, uma atividade, pela qual essa parte inteligível não é mitigada. (trad. Armstrong)

Essa insistência de que alguma parte da alma permanece "acima" sem dúvida surge da própria experiência de Plotino. Mas sua justificativa filosófica é que ela preserva o verdadeiro papel central da alma no universo, ao mesmo tempo em que a isenta da contaminação pelo elemento material.

O grande tratado em Enéadas IV 3-4 (Problemas da Alma) constitui-se como uma série de investigações sobre questões relacionadas à alma que perfaziam temas de disputa ou temas inconclusivos dentro da tradição. Uma questão de particular interesse a ser mencionada aqui é a da sobrevivência da personalidade após a morte (IV 3, 25 — 4, 12), tópico que é introduzido por meio de um exame da memória e da imaginação. O que poderia ser concebido como rememoração uma vez que estamos livres de nossos corpos? Poderíamos ter memória sem uma faculdade de imaginação ou representação (phantasia)? Seria a memória é uma faculdade própria de seres verdadeiramente eternos, como os são os deuses planetários? O grande questionamento que isso provoca, mas que Plotino não aborda (assim como não o faz em suas especulações sobre formas de indivíduos), é onde isso deixaria a doutrina tradicional pitagórico-platônica da reencarnação, na qual ele certamente parece ter acreditado.

(iv) O Homem, o Eu, o Destino e o Livre-Arbítrio

Em consonância com a análise mais profunda de Plotino dos conceitos platônicos tradicionais, como a alma superior e inferior, reside seu desenvolvimento de uma doutrina do eu. Até onde podemos discernir, esta é uma contribuição original sua.8 Como E. R. Dodds aponta,9 Plotino parece ser o primeiro a ter distinguido claramente os conceitos de alma e ego (para o qual conceito posterior Plotino realmente tem que inventar um termo, usando o grego para "nós", hēmeis). "Para ele", diz Dodds, "os dois termos não são coextensivos. A alma é um contínuo que se estende do cume da psychē individual, cuja atividade é o pensamento perpétuo, através do eu empírico normal, até a 'imagem' (eidōlon), o traço psíquico débil no organismo; mas o ego é um holofote flutuante de consciência."

Um texto crucial de análise desse "holofote flutuante" é o tratado tardio Enéadas I 1 [53], "O Animado e o Homem", que Porfírio escolhe colocar em primeiro lugar em sua edição. A questão também surge em um tratado como III 4 [15], "Sobre o Espírito Guardião que nos foi Atribuído", e, efetivamente, na primeira parte de VI 7 [38]. Plotino está de fato interessado em particular no status do "nós", como ele o chama, até mesmo ao ponto de impor empecilhos para a doutrina platônica tradicional da alma como o assento da personalidade (a doutrina do Alcibíades I de Platão)10 e da reencarnação. Essas dificuldades ele não resolve na verdade, mas é em sua exploração de tais dificuldades que reside grande parte de sua grandeza.

Outro problema não resolvido, mas enfrentado de maneira mais produtiva, é o do livre-arbítrio, tratado mais extensamente em Enéadas III 2-3. Plotino, como platônico, está comprometido com a autonomia de pelo menos a parte mais alta da alma (tomando sua orientação do Mito de Er em República X, e em particular a frase marcante, "A virtude não tem dono", em X 617E). Ele igualmente teve que levar em consideração, como seus predecessores, o poderoso desafio estoico às teorias do livre-arbítrio estabelecidas por Crisipo em particular — "nenhum efeito sem uma causa".11

Os predecessores de Plotino haviam produzido várias formulações bastante fáceis, contornando o desafio estoico em vez de enfrenta-lo. Plotino não se esquiva das dificuldades, mas também não resolve os problemas de fato. Quando muito, ele se inclina para o lado estoico, no processo produzindo algumas observações que nos parecem distintamente duras. As pessoas são geralmente responsáveis, ele sente, pelos infortúnios que lhes sucedem, talvez até mesmo por pecados em uma existência anterior; e, no entanto, os malfeitores também são responsáveis por seus crimes. Uma passagem de III 2, 8 ilustra sua atitude:

Se alguns garotos que mantiveram seus corpos com um bom treinamento, mas são inferiores em alma à sua condição corporal por falta de educação, vencem uma luta contra outros que não são treinados nem em corpo nem em alma, e pegam sua comida e roubam suas roupas elegantes, seria esse causo algo além de risível?

Eis uma linha de raciocínio bastante dura contra as vítimas "inocentes" de violência e injustiça, que, contudo, consiste em uma consequência do desprezo de Plotino pelos acidentes do mundo sublunar. O filósofo estará armado contra esses pequenos problemas por ter se convencido de que aquilo que diz respeito apenas ao corpo ou aos bens é, em última análise, trivial. Eis uma atitude essencialmente estoica, superposta a uma crença platônica em uma alma racional imortal.

Mesmo para a alma racional, porém, o livre-arbítrio no sentido usual não é considerado um ideal. Antes, o ideal é assemelhar-se a Deus e agir de acordo com o divino. No importante tratado VI 8 [39], "Sobre o Livre-Arbítrio e a Vontade do Um", Plotino evidencia que o livre-arbítrio, no sentido de escolher entre cursos alternativos de ação, não é característico dos deuses ou dos seres superiores, muito menos do Uno, e que nosso exercício de "livre-arbítrio" não passa de um indício de nossa ignorância e imperfeição. Caso saibamos o que estamos buscando, então só pode agir de acordo com ele, não por qualquer compulsão externa, mas pela operação de sua própria vontade. E o mesmo se passa com o Uno.12 Essa não passa de uma aplicação da doutrina do próprio Sócrates, segundo a qual "ninguém faz o mal voluntariamente". Um deus, agindo com conhecimento perfeito, não pode fazer outra coisa senão o melhor de si, não estando, portanto, limitado, porque nenhuma força externa o limita. O próprio Uno é completamente livre, mas nem por isso é, de qualquer forma, aleatório ou acidental.

(v) Matéria e o Mal

Chegamos agora ao elemento mais inferior no universo de Plotino, a Matéria. Sobre este tópico, a principal área de tensão em seu pensamento é a questão: até que ponto a Matéria é má e a fonte do mal? No tratado relativamente tardio Enéadas I 8 [51], "A Natureza e a Origem do Mal", a fonte do mal é identificada incisivamente não como o corpo ou como qualquer forma de alma, mas como Matéria. Por outro lado, a Matéria não pode ser má em qualquer sentido positivo ou proposital, pois é absolutamente inexistente e sem forma. Ela é igualmente necessária para a completude do universo.

É o conceito de "mal" que deve ser investigado mais a fundo caso quisermos descobrir o que quis dizer Plotino. Kakon é apenas aquele elemento em nosso mundo que faz as coisas ficarem aquém da perfeição — seja quando resultam em assassinato em massa, em seca, em praga ou meramente em um cadarço que se quebra num momento crítico. Trata-se de um evento concomitante inevitável do cortejo da alma para seu nível inferior, o qual produz uma emanação que só pode reverter imperfeitamente sobre sua fonte — mais como a Lei de Murphy, digamos, do que o Diabo dos sistemas cristãos ou outros dualistas.

Chegamos agora ao elemento mais inferior no universo de Plotino, a Matéria. Sobre este tópico, a principal área de tensão em seu pensamento é a questão: até que ponto a Matéria é má e a fonte do mal? No tratado relativamente tardio Enéadas I 8 [51], "A Natureza e a Origem do Mal", a fonte do mal é identificada incisivamente não como o corpo ou como qualquer forma de alma, mas como Matéria. Por outro lado, a Matéria não pode ser má em qualquer sentido positivo ou proposital, pois é absolutamente inexistente e sem forma. Ela é igualmente necessária para a completude do universo.

É o conceito de "mal" que deve ser investigado mais a fundo caso quisermos descobrir o que quis dizer Plotino. Kakon é apenas aquele elemento em nosso mundo que faz as coisas ficarem aquém da perfeição — seja quando resultam em assassinato em massa, em seca, em praga ou meramente em um cadarço que se quebra num momento crítico. Trata-se de um evento concomitante inevitável do cortejo da alma para seu nível inferior, o qual produz uma emanação que só pode reverter imperfeitamente sobre sua fonte — mais como a Lei de Murphy, digamos, do que o Diabo dos sistemas cristãos ou outros dualistas.

Uma questão de interesse peculiar em conexão com a Matéria é a maneira precisa de sua geração (já que a Matéria, na medida em que existe, é dependente do Uno, como tudo o mais, em última análise). De certa forma, a Matéria é gerada pela Alma — ou melhor, por aquele aspecto da Alma que desce, ou pelo menos ilumina o que está abaixo dela. Porém, de outra forma, pode ser vista como não gerada. A escuridão na borda dessa iluminação, por assim dizer, é o que consideramos como "matéria"; na medida em que o faz, ela se transforma em ser como um subproduto da iluminação.

Por outro lado, como uma potencialidade de iluminação, ela sempre esteve lá. Aqui Plotino está em dificuldade, que se reflete nas várias descrições aparentemente inconsistentes que ele dá da situação da Matéria. Uma descrição em I 8, 4 foi interpretada como uma implicação de que ela é não gerada. Seu tratado sobre a Matéria (II 4 [12]) complica a questão ao discutir a Matéria no nível inteligível, assim como no físico, mas, de fato, creio que devemos ver a Matéria em todos os níveis como essencialmente o mesmo fenômeno, a alteridade absoluta, o não-ser absoluto, mas ainda assim um componente essencial da infinita variedade do universo.

(vi) Conclusão

Como eu disse, esta pesquisa de tópicos problemáticos não pretende prover um prospecto completo da filosofia de Plotino, mas sim enfatizar o que o torna um grande pensador dentro de sua tradição, assim como seu questionamento inquieto dos dogmas que herdou. Cada um desses tópicos merece um tratamento mais extenso do que o espaço permite no presente contexto; meu objetivo foi pelo menos indicar as áreas dentro do tecido do platonismo onde Plotino faz uma contribuição intelectual mais distintiva.

Uma observação de conclusão sobre a influência de Plotino e sua importância no pensamento europeu.13 Sua influência na análise da linguística anglo-americana moderna ou no positivismo lógico certamente não é grande, mas em outras tradições do pensamento europeu sua influência tem sido considerável, embora ele não tenha sido tão lido, talvez, quanto alguns de seus sucessores mais escolásticos, como Proclo. Na Idade Média e no Renascimento, decerto, Plotino e o neoplatonismo em geral eram de importância primordial, embora fossem geralmente mediados por figuras como Santo Agostinho e "Dionísio, o Areopagita". João Escoto Erígena (c. 810—c. 877) e Nicolau de Cusa (1401—64) foram mais diretamente influenciados por Proclo e a tradição que dele deriva, mas Marsílio Ficino (1433—99) traduziu Plotino para o latim e fez das Enéadas um dos textos básicos da Academia platônica em Florença. Giordano Bruno (1548—1600) também foi significativamente influenciado por Plotino.

Em tempos mais modernos, toda a tradição do idealismo alemão, começando com Hegel (1770—1832) e Schelling (1775—1854), deriva muito de sua inspiração da tradição neoplatônica, embora seja Schelling o mais diretamente influenciado por Plotino, com Hegel inclinando-se mais para a escolástica de Proclo. Até mesmo o pensamento de Heidegger, embora ele tivesse pouco uso para Plotino, ou a tradição platônica em geral, exibe afinidades interessantes, particularmente no que diz respeito à doutrina do Uno e de nossa intuição dele, tendo em vistas sua doutrina de Dasein e a intuição do Ser.

No mundo anglófono, a influência de Plotino se dá mais na literatura do que na filosofia, com figuras como William Blake, Coleridge e, mais tarde, W. B. Yeats, extraindo inspiração de seus escritos de várias maneiras, em grande parte através da influência da notável figura de Thomas Taylor, "o Platonista".


Traduzido por F.V.Silva