República, livro 1

O diálogo platônico como drama

Escrito por F.V.Silva em 20/05/2024, revisado em 11/05/2025

"Desci ontem ao Pireu com Gláucon, filho de Aríston, para fazer minhas preces à deusa e, ao mesmo tempo, ver como fariam a festa, porque então a celebravam pela primeira vez".

Este é o trecho inicial da República, de Platão, um texto fundador da filosofia política ocidental que nada parece com um tratado filosófico. Em uma só frase, somos apresentados a três personagens (uma delas, Sócrates, na função de narrador), um cenário específico (o Pireu, na cidade de Atenas) e um marco temporal: o 1º festival da deusa Bendis. Ninguém tinha escrito filosofia assim até aquele momento, e não havia uma forma correta de fazê-lo.

Até o século IV AEC, a filosofia foi uma ferramenta experimental. Os primeiros filósofos gregos, os tais pré-socráticos, registravam suas ideias em fragmentos poéticos e textos de caráter mitológico – aqui a cosmologia e a especulação sobre a natureza se misturavam com o imaginário mitológico. Então, no espaço de duas gerações, Sócrates, Platão e Aristóteles alteraram a tradição filosófica por completo: eles inauguraram métodos de investigação imitados até os tempos atuais. Aristóteles, por exemplo, adotou um estilo mais técnico em seus tratados, e chegou a nós sobretudo por meio de anotações de aulas registradas por seus alunos – textos muitas vezes densos e analíticos, destinados ao estudo. Sócrates nunca escreveu um tratado; sua filosofia era uma atividade cívica de quem educa e questiona sua comunidade. Essas diferentes formas de registro revelam não apenas a evolução da filosofia grega, mas também como o próprio ato de filosofar era entendido: ora como poesia investigativa, ora como sistematização rigorosa, ora como provocação do status quo.

Sobre o formato diálogo platônico

Nosso foco é Platão, e com Platão a filosofia ganhou vida através do diálogo dramático – um formato literário que transformava conceitos abstratos em debates vivos entre personagens, de forma a mostrar o exercício da reflexão filosófica como uma experiência dinâmica. Nós, como leitores, somos postos em contato com a forma como o conhecimento é adquirido, não só com seus resultados. Platão oferece uma leitura difícil porque exige atenção não só no que está sendo dito, mas em quem está dizendo-o, em que contexto, para quem – a seguir vou deixar um exemplo, retirado da República – livro I, de como isso funciona, e como o que chamei de "caráter literário" de seus textos amplifica a complexidade do exercício intelectual do diálogo platônico.

O platonismo foi a filosofia dominante no mundo por cerca de 600 anos, da Grécia clássica até o período de consolidação do cristianismo no Império Romano, e influenciou tudo o que surgiu nesse meio tempo. Poucos platonistas, porém, deram conta de imitar o caráter dialógico de seus diálogos – ficaram suas ideias, foi-se sua metodologia. Enquanto o velho filósofo usava o diálogo para explorar questões, muitas vezes sem chegar a uma conclusão definitiva, os neoplatonistas partiam de um sistema filosófico estabelecido (a hierarquia do Uno, o Intelecto e a Alma) e usavam o diálogo mais como ferramenta didática do que como investigação dialética. Veremos, no futuro, como isso foi crucial para a transformação da heurística filosófica em doutrina religiosa no pensamento dos Padres da Igreja cristã.

República, 327a a 331d

Volto à citação com que abri este artigo: "Desci ontem ao Pireu com Gláucon, filho de Aríston, para fazer minhas preces à deusa e, ao mesmo tempo, ver como fariam a festa, porque então a celebravam pela primeira vez". Nesse breve trecho nos deparamos com três personagens (uma delas é a personagem Sócrates, o antigo mentor de Platão que ele sempre usa como voz narrativa), um cenário específico (o Pireu) e um marco temporal: o primeiríssimo festival da deusa Bendis – já falo sobre cada um desses elementos.

O Pireu foi porto contíguo à cidade de Atenas, a quilômetros do centro urbano propriamente dito onde aquele monte de figuras históricas transitou. Inclusive a quilômetros da ágora, o centro pulsante da vida democrática ateniense onde tudo era debatido pelos 20% e tanto por cento de cidadãos livres que habitavam a cidade na sua época auge de realizações culturais. Aqui é como se Sócrates, figura que já transitava no centro da democracia ateniense desde os diálogos anteriores de Platão, tivesse sido jogado em um universo diferente. Não em qualquer dia, mas justo para ver a estreia do festival de Bendis, uma deusa de um povo estrageiro, oriunda da Trácia, que então tinha sido recém-incorporada ao panteão de deidades atenienses. Vamos pensar assim: suponha que o Vaticano aceite acrescentar Buda ou Durga, alguma divindade de uma religião oriental, ao rol de santos católicos, e em uma cidade ultra-católica do interior do Brasil começassem a celebrar um feriado (cristão) em homenagem a São Buda, o iluminado, ou a Durga, a Santa Deusa de Morte. Esse é simbolicamente um momento de mistura e dissolução da religião grega, sobretudo em uma Grécia profundamente contrária a tudo o que fosse estrangeiro. Nós somos globalizados e relativamente abertos a ideias do estrangeiro; um grego da época de Platão/Aristóteles tinha certeza que não ser falante de grego era algo equivalente a pertencer a uma categoria inferior no reino animal. Sócrates não se mostra exatamente como alguém intolerante ao elemento estrangeiro, mas eis o contexto.

Daí a gente volta ao Pireu: se não é uma região de instabilidade — uma contra-imagem de Atenas —, ele aparece como um local de ecletismo. Na descrição segunte, adiciona-se um certo tom de desordem no cenário. É igual fim de quermesse: metade do público está bêbado ou tem ânimos espirituais alterado por conta do evento. Sócrates está, acompanhado de amigos, mas na volta para casa é abordado por uma outra figura, Polemarco, que insiste para ele ficar por ali e estender a festa (327a). Polemarco, também, está acompanhado por seus amigos: Adeimanto, Nicerato, entre outros. Sócrates resiste no início, e questiona se não tem jeito de persuadi-los a deixarem-no ir para casa (327c). O trecho é um tanto irônico - todo mundo que sabe algo sobre Sócrates sabe que ironia e poder de convencimento é sua característica principal. Todo diálogo platônico em que ele figura é a descrição de um processo em que ele convence seu interlocutor de sua própria tolice e preconceitos, levando-o à consciência de que deveria ser mais rigoroso com seus argumentos e mente. Na República, o trecho implica, as coisas serão diferentes: o pessoal não vai aceitar ser encurralado pela perspicácia de Sócrates e está decidido, de antemão, a nem ouvi-lo.

É como se Platão retratasse Sócrates como uma personagem que, igual em um texto de ficção, possui uma certa reputação e história pessoal a qual a narrativa vai revelando aos leitores, gradativamente. Já nesse momento do diálogo temos todas as características que aliam Platão às artes dramáticas - não somente à filosofia. Essa é a 1ª coisa a se manter em mente - ela não é uma intepretação nova, nem é tão difícil se chegar a ela: milhares de leitores, desde a Antiguidade, já registraram a curiosa constatação de que Platão está escrevendo algo semelhante a um texto dramático onde mais para a frente, no livro 3, se defenderá a censura das artes dramáticas. Adianto aqui que, se o herói do tipo de teatro sendo feito em sua época era dramático, geralmente um homem violento que age à revelia da razão, movido pela força das circunstâncias trágicas e dos desmandos dos deuses, seu herói é filosófico - é o velho Sócrates, acotovelando-se no fim do festival tentando voltar para casa, mas sendo impedido por jovens insubordinados à governança da razão. O diálogo platônico seria uma proposta vanguardista que visa suplantar a tragédia.

Sócrates não só não consegue chegar a sua casa em Atenas, como é forçado a acompanhar os camaradas à casa do pai de Polemarco. Oferecem um banquete a ele, mas ele nem tem tempo de comer nada; logo vem outro e o arrasta pelo braço para ver uma corrida realizada nas proximidades - como é de se esperar, ninguém vai conseguir assistir a tal corrido por conta de uma nova complicação (ver 354a-354c). O contexto é um do mais completo desacordo. Mas mesmo assim, entre um evento e outro, Sócrates guia a conversa ao tema: o que é a justiça? E aquele, na passagem para um livro 2, se transforma em um dos debates que inauguram a filosofia política na tradição Ocidental. Lembre-se: tudo começou no cenário de ecletismo em que o velho Sócrates só queria ir para casa, para a segurança da Atenas racional e ordenada, mas não lhe dão sequer a chance de impor sua vontade sobre a vontade dos outros. Para acompanhar o passo a passo do argumento filosófico, mesmo, você pode ler o diálogo - não é nada tão complicado em termos de linguagem. Mas agora me volto aos detalhes propriamente narrativos desse pequeno trecho de umas 20 páginas em edições modernas: como o uso de cenários e figuras históricas no diálogo amplifica os sentidos do texto. Como o que Platão está fazendo é parte das artes narrativas.

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O fato de Sócrates estar indo para o primeiro festival de Bendis — o situa em meados de junho de 429 AEC, segundo estudos de arqueologia de um tal Christopher Planeaux (The date of Bendis' entry into Attica. The Classical Journal, v. 96, n. 2, 2000, p. 182-3). Esta época será descrita, posteriormente, como "uma 'idade de ouro', logo antes Atenas entrar em uma profunda crise política - e é desse momento exato de crise política que Platão está escrevendo. Ele parece situar dois períodos no tempo: o de Sócrates é um momento a simplicidade (ou idealismos inocentes) daquela geração. O outro, e grande marco da política interna de Atenas, foi a supressão de sua estrutura democrática e sua substituição pela Tirania dos Trinta (οἱ Τριάκοντα) em 404 AEC. Cê estudou na escola a guerra entre Esparta e Atenas; pois bem, os espartanos invadiram Atenas e estabeleceram uma espécie de governo ditatorial gerido por trinta regentes; vendo que a dissidência pró-democracia havia se concentrado justamente no Pireu, estabeleceram mais dez tiranos naquele lugar, a fim de conter rebeliões (detalhes em PLUTARCO, 1952, p. 359-360). O Pireu da narrativa, portanto, é um cenário prévio à supressão histórica da democracia ateniense, e ajuda a gente a entender certos diálogos travados por Sócrates. Algumas das questões que serão discutidas têm tudo a ver com o que os atenienses já não podiam se questionar à época sem um gosto amargo de derrota: vale a pena lutar pela democracia? Se não, qual sistema de governo é mais adequado para manutenção da pólis e de uma boa vida? Qual é a função de cada cidadão para o corpo político?

Então, já na construção de seu cenário, portanto, o texto antecipa discussões desenvolvidas nos diálogos entre Sócrates e seus interlocutores. Um leitor da época tinha isso bem claro; a gente tem hoje se dar ao trabalho de estudar contexto dessa obra de arte; e a 'República' deve ser lida como tal, como parte das artes diegéticas.

Se tiver interesse de lê-la, a dica é pensar em cada personagem como representante de uma tendência política: Trasímaco, por exemplo, é um sofista arrogante e meio fascistóide, se formos pensar em termos modernos. É ele que acusa este de ser ignorante por não saber que a justiça é simplesmente "o interesse do mais forte", algo danoso àqueles que estão subordinados ao líder (344c). Para complicar tudo, Trasímaco não só representa um indivíduo de vontade implacável, que se vale de força para atingir seus objetivos; - e, ó lá o contexto nos ajudando de novo: ele foi uma figura histórica, apoiador da oligarquia ateniense de 411 AEC e peça fundamental durante a conquista espartana de 404 AEC. Com a subida da Tirania dos Trinta, os poucos oligarcas atenienses que deram suporte aos invasores assassinariam Nicerato e Polemarco, os mesmos que discutiam com o futuro traidor Trasímaco. Plutarco (1952, p. 359) estima que três mil dissidentes atenienses aprisionados por Lisandro foram assassinados na passagem da Guerra do Peloponeso e a Tirania dos Trinta; o que Platão faz é selecionar alguns deles cuidadosamente, a fim de escrever um diagnóstico sobre as forças que operaravam e operam num período conturbado da história ateniense.

Platão, "inimigo dos poetas"?

Platão escreveu a República por volta de 350 AEC, e o assunto do livro era política: como organizar um Estado ideal e efetivo, um Estado onde as coisas funcionasse e o melhor do pleno potencial humano pudesse ser utilizado. A argumentação é longa, mas em dado momento a personagem Sócrates faz uma proposta provocativa: em um Estado ideal, toda poesia deveria ser controlada. Ele está falando de censura, e de um mundo que nós, experientes com distopias, podemos vislumbrar hoje: seria um lugar onde você só trabalha e aceita os ditames do poder de boca fechada, e não tem um dispositivo de reflexão livre e questionadora do status quo como música, literatura e cinema. A ideia é que os charmes das artes, que agem através de persuasão de nossos sentidos, oferecem um perigo à autoridade política do Estado ideal (se quiser ler, esse trecho consta em 377e da República). A poesia seria, ao menos potencialmente, um registro proliferador de falsificações da realidade. Ela cria um público que se mostra apto aos fascínios da imaginação, mas alheio aos rigores da razão. Ela gera livre-pensadores, não cidadãos obedientes e pragmáticos.
Detalhe importante aqui, que você já supõe: como em tudo que Platão escreveu, esse ataque à poesia foi formulado indiretamente: ele nunca vai afirmar algo como uma voz autorial, como quem di: “Eu, o filósofo Platão, estou defendendo essa posição” – , mas colocará as afirmações nas bocas de personagens e você se vira ao interpretá-las: sendo o bom professor que era, Platão propõe seus ensinamentos de forma dialógica: retratando uma conversa em que 2 ou mais pessoas estão pensando juntas a solução para problemas e, de tabela, você que contempla essa conversa acaba tendo que sair de sua posição passiva e por sua cabeça para pensar junto delas. Não aceite o que os outros falam antes de pesar, por si só, seus argumentos.
Se a gente viaja no tempo mais de 2000 anos e chegamos em Northrop Frye ou Stanley Rosen, veremos que aaté hoje estamos participando desse jogo da dialética platônica: Rosen vai dizer que o próprio texto da Politeia é uma forma de poesia dramática superior – ela tem, afinal, cenário, personagens e diálogo como qualquer peça de teatro – embora seja filosoficamente mais rigorosa do que qualquer coisa da época. O filósofo estaria propondo, assim, algo singular no lugar da poesia feita na sua época.

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Façamos um balanço da ideia de Platão como um inimigo dos poetas, ou ao menos alguém cético à fidelidade do tipo de mimetismo operado pelas artes da ficção. De fato, quem começa a ler a República do livro II e III, vai se deparar com qualificações de grandes textos da tradição grega como "fábulas mentirosas" que, mesmo que fossem reais, "não deveriam ser contad[a]s com tanta leviandade a jovens de pensamento imaturo" (377d-378a). Vá lá, isso ele está falando de Homero e Hesíodo, autores de +- 400 anos antes dele, que formavam a base de referenciais da arte e mitologia grega. É igual questionar o valor de Cervantes para os espanhóis, de Shakespeare para os britânicos. Tudo em uma conversa é provisório, e é o caso em dado momento em que Sócrates se põe pensar junto de Gláucon o que seria uma cidade (uma república) ideal. Onde as coisas funcionam. Onde a tirania não tem vez porque os próprios cidadãos e cidadãs não são passivos, que assistem as coisas acontecerem e permitem os desmandos do poder sem muita resistência, preferindo se alienar em seus interesses pessoais. O que Sócrates está tentando imaginar é uma utopia, sem dúvida, embora utopia aqui serve como um exercício especulativo e criativo para se chegar a algumas constatações sobre a justiça, a boa governança, o espírito comunitário. Até mesmo sobre o motivo por trás de viver em sociedade. Para Platão nenhum desses é dado pelo senso comum – você só vai chegar a um aperfeiçoamento deles via dialética, via essa experimentação regrada de cada argumento constitutivo de uma verdade [com v minúsculo] que guia sua ação. E note: as artes não fazem isso. Ninguém fazia isso até então. Há algo de vanguardista em seu gesto – no gesto que responde à crise da Atenas clássica. Seu alvo era emancipar a cultura grega de seus próprios elementos de barbarismo.

O filósofo francês Jacques Rancière tem um livro chamado "Política da Estética" que, já no início, propõe: não há parecido como uma estética em Platão, já que as artes ali não têm função artística (como têm em Aristóteles). A arte, no contexto da República, serve a um regime ético. E o campo da ética deve servir ao lógos, os juízos rigorosos detidos pela razão; a forma como a arte trabalha é com o alógos, com juízos estéticos e de gosto. Para os fins da República, isso pode levar a uma aporia.

O que se vê em cursos e textos de historiografia literária, ou mesmo jornalismo literário, é um tanto diferente: os argumentos de Sócrates contra o caráter irascível e violento dos heróis de Homero, ou contra a falta de apreço pela religião dos tragediógrafos, são usado como prova de que Platão encabeçaria uma tradição obscurantista, insensível aos méritos da arte... isso é preguiça intelectual. Tudo em Platão deve ser lido como parte de um projeto filosófico inovador, e que inaugura sua própria hermenêutica: ele meio que propõe as regras para você interpretar suas obras e aproveitar o máximo delas. O ponto de partida é: o que tem valor e uso na vida deve ser repensado; na República III as artes passam pelo escrutínio dessa análise.

Minha sugestão final é que: boa poesia consiste em ficções que contam verdades morais para pessoas que não conseguem depreendê-las através da elucubração filosófica. E para Platão, tem gente capaz de fazer filosofia, e gente que não consegue pensar de forma refinada; ele não cria na igualdade entre todas as pessoas no que diz respeito à capacidade intelectual. E para cada tipo de mentalidade, digamos, há uma mensagem a ser retirada nos diálogos; cada tipo se deixará influenciar também pelas artes, e o perigo de certas artes miméticas residiria aí: a tragédia e comédia atenienses são mal exemplos por imitarem as falas e visões de mundo de personagens diversas, sem que a voz autorial do dramaturgia seja posta. Potencialmente, ele confunde os menos avisados, levando-os a simpatizar com personagens viciosas.

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Para fechar, nenhum diálogo deixa mais claro a espécie fenomenologia da leitura do mundo proposta por Platão do que Meno: esse é um texto é um diálogo sobre uma pessoa estúpida, que teve sua educação estragada pelo sofista Górgias, e chegou a um nível de imbecilidade que forçou Sócrates, respeitosamente, a recorrer a um imaginário mitológico para defender a causa da ética. Algo que ele jamais faria com seus outros comparsas de debate mais sérios, notemos; a ideia é 'se me valer de histórias mirabolantes como fábulas e mitos para passar para frente uma verdade moral, minha função de educador está feita'. É uma postura polêmica, que a Igreja de Roma aprendeu a usar em virtualmente toda sua história; é como políticos e educadores muitas vezes tratam seus pupilos. E Platão está partindo do pressuposto de que é o mesmo que acontece com as artes; o diferencial discursivo do então novo método do diálogo filosófico viria do fato de que ele traz em si várias camadas de significado. E o faz de propósito: há uma dimensão de argumentos para um tipo de leitor superficial, outros mais profundos para leitores mais rigorosos. Filosofia não seria para qualquer um. Formar uma "opinião útil" é o que vem logo a seguir na busca coletiva pela verdade. Achemos isso elitista ou não, é a origem de diversas ideias de outras modalidades posteriores de 'busca pela verdade': o esoterismo, com sua noção dos iniciados, e a religião institucionalizada, com sua hierarquia interna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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