Publicado originalmente na Internet Encyclopedia of Philosophy, traduzido por F.V.Silva
O neoplatonismo é um termo moderno usado para designar o período da filosofia platônica que começa com a obra de Plotino e termina com o fechamento da Academia Platônica pelo Imperador Justiniano em 529 d.C. Essa vertente do platonismo, frequentemente descrita como "mística" ou religiosa em sua natureza, desenvolveu-se para além da corrente principal do platonismo acadêmico. As origens do neoplatonismo remontam à era do sincretismo helenístico, que gerou movimentos e escolas de pensamento como o Gnosticismo e a tradição hermética. Um fator importante nesse sincretismo, e que exerceu grande influência no desenvolvimento do pensamento platônico, foi a introdução das escrituras judaicas nos círculos intelectuais gregos por meio da tradução conhecida como Septuaginta. O encontro entre a narrativa da criação do Gênesis e a cosmologia do Timeu de Platão mobilizou uma longa tradição de teorização cosmológica que finalmente culminou no grandioso esquema das Enéadas de Plotino. Os dois principais sucessores de Plotino, Porfírio e Iâmblico, desenvolveram, cada qual à sua maneira, aspectos isolados do pensamento de Plotino, embora nenhum tenha elaborado uma filosofia rigorosa que igualasse a de seu mestre. Foi Proclo que, pouco antes do fechamento da Academia, legou ao mundo uma filosofia platônica sistemática que, em certos aspectos, aproximou-se da sofisticação de Plotino. Por fim, na obra do chamado Pseudo-Dionísio, encontramos uma grande síntese da filosofia platônica e da teologia cristã que exerceria uma imensa influência sobre o misticismo medieval e o Humanismo Renascentista.
1. O que é Neoplatonismo?
O termo "neoplatonismo" é uma construção moderna. Plotino, frequentemente considerado o fundador do neoplatonismo, não teria se considerado um platonista "novo" em qualquer sentido, mas simplesmente um expositor das doutrinas de Platão. O fato de isso exigir que ele formulasse um sistema filosófico inteiramente novo não foi visto por ele como um problema, pois se tratava, a seu ver, exatamente o que a doutrina platônica exigia. Em certo sentido esse é o caso, pois já na Antiga Academia vemos os sucessores de Platão lutando com a interpretação adequada de seu pensamento, e chegando a conclusões surpreendentemente diferentes. Além disso, na Era Helenística, certas ideias platônicas foram adotadas por pensadores de várias profissões de fé -- judaicas, gnósticas, cristãs -- e retrabalhadas em novas formas de expressão que variavam consideravelmente do que Platão de fato escreveu em seus diálogos. Poderia isso nos levar a concluir que esses pensadores eram menos "leais" a Platão do que os membros da Academia (em seus diversos formatos ao longo dos séculos que precederam Plotino)? Não, pois os múltiplos e frequentemente contraditórios usos das ideias platônicas dão testemunho da universalidade do pensamento de Platão -- isto é, sua capacidade de admitir uma ampla gama de interpretações e aplicações. Nesse sentido, podemos dizer que o neoplatonismo começou imediatamente após a morte de Platão, quando novas abordagens à sua filosofia estavam sendo exploradas. De fato, já encontramos um indício dis-so nas doutrinas de Xenócrates (o segundo líder da Antiga Academia), de uma teoria da salvação envolvendo a unificação das duas partes da alma humana -- a "Olímpica" ou celestial, e a "Titânica" ou terrena. Se aceitarmos a descrição de Frederick Copleston do neoplatonismo como "a resposta intelectualista ao [...] anseio pela salvação pessoal", podemos localizar o início dessa resposta já na Antiga Academia, de forma que o neoplatonismo não teria começado com Plotino. No entanto, não está claro se a ideia de salvação de Xenócrates envolvia o indivíduo; é bem possível que ele estivesse se referindo a uma natureza humana unificada em um sentido abstrato. De qualquer forma, a tradição gnóstica-hermética inicial é certamente platônica à sua maneira, e o gnosticismo posterior, além da teologia cristã do Logos, também o são marcadamente. Se uma resposta intelectual a um anseio geral por salvação pessoal é o que caracteriza o neoplatonismo, então os altamente intelectualizados gnósticos e cristãos do final da Era Helenística devem receber o título de neoplatônicos. No entanto, se formos rigorosos e definirmos o neoplatonismo como a síntese de várias ideias mais ou menos "platônicas" numa só ampla expressão da filosofia platônica, então Plotino deve ser considerado o fundador do neoplatonismo. Ainda assim, não devemos esquecer que esses pensadores cristãos, gnósticos, judaicos e outros "pagãos" platônicos forneceram o material especulativo necessário para tornar essa síntese possível.
2. Neoplatonismo Plotiniano
O grande pensador do século III e "fundador" do neoplatonismo, Plotino, é responsável pela grandiosa síntese das ideias cristãs progressistas e gnósticas com a filosofia platônica tradicional. Ele respondeu ao desafio de explicar o surgimento de um cosmos aparentemente inferior e defeituoso a partir da mente divina perfeita, declarando, abertamente, que toda existência objetiva não passa da expressão externa de uma divindade contemplativa inerente, conhecida como o Uno (τò ἕν, to hen), ou o Bem (το καλόν, ta kālón). Plotino compara a expressão da divindade superior com a autoexpressão da alma individual, que procede da concepção perfeita de uma Forma (είδος, eidos), para a sempre defeituosa expressão dessa Forma no formato de uma "personalidade" que dela derivada materialmente, e corre o risco de sucumbir às demandas da discursividade divisiva. Assim, ela se torna algo inferior ao divino. Essa regressão da essência divina na temporalidade é apenas um momento necessário da expressão plena do Uno. Ao elevar a experiência da alma individual ao status de atualização de uma Forma divina, Plotino também conseguiu preservar, senão a autonomia, ao menos a dignidade e a necessidade ontológica da personalidade. O cosmos, segundo Plotino, não é uma ordem criada e planejada por uma divindade a quem podemos atribuir a culpa de gerar o mal; isso porque o Cosmos é a autoexpressão da Alma, que corresponde, aproximadamente, ao logos prophorikos de Fílon, cujo logos endiathetos é a Inteligência (νοῦς, nous). Em contrapartida, o cosmos, em termos plotinianos, deve ser entendido como o resultado concreto ou "produto" da experiência da Alma de sua própria Mente (nous). Idealmente, essa expressão concreta deveria servir à Alma como um ponto de referência para sua própria existência autoconsciente; no entanto, a Alma facilmente comete o equívoco de valorizar a expressão acima do princípio (ἀρχή, arkhê), que é a contemplação das Formas divinas. Esse equívoco dá origem ao mal, que é a relação puramente subjetiva da Alma (agora dividida) com as múltiplas e concretas formas de seu ato expressivo. Quando a Alma, na forma de existentes individuais, se torna assim preocupada com sua experiência, surge a Natureza, e o cosmos assume uma forma concreta como o locus da personalidade.
a. Contemplação e Criação
Remontando, conscientemente ou não, à doutrina de Speusipo (sucessor de Platão na Academia) de que o Uno é totalmente transcendente e "além do ser", e que a Díade é o autêntico princípio primeiro, Plotino declara que o Uno está "sozinho consigo mesmo" e é inefável (cf. Enéadas VI.9.6 e V.2.1). O Uno não age para produzir um cosmos ou uma ordem espiritual, mas simplesmente gera, a partir de si mesmo e sem esforço, um poder (δύναμις, dunamis) que é ao mesmo tempo o Intelecto (nous) e o objeto de contemplação (θεωρία, theôria) desse Intelecto. Enquanto Plotino sugere que o Uno persiste pensando a si mesmo como si mesmo, o Intelecto persiste pensando a si mesmo como outro e, portanto, se divide dentro de si: esse ato de divisão dentro do Intelecto é a produção do Ser, que se configura como o próprio princípio da expressão ou discursividade (Enéada V.1.7). Por esse motivo, o Intelecto se apresenta como o único Princípio Primeiro de Plotino. Nesse aspecto, o pensamento ou contemplação do Intelecto se divide e ordena em pensamentos, cada qual subsistindo em si mesmo, como reflexões autônomas da dunamis do Uno. Esses são as Formas (εἴδη, eidê), e de sua unidade inerte surge a Alma, cuja tarefa é pensar essas Formas discursiva e criativamente e, assim, produzir ou criar uma expressão concreta e viva do Intelecto divino. Essa atividade da Alma resulta na produção de múltiplas almas individuais: atualizações vivas das possibilidades inerentes às Formas. Enquanto o Intelecto se dividiu dentro de si mesmo pela contemplação, a Alma se divide fora de si mesma, pela ação (que ainda é contemplação, segundo Plotino, embora do tipo mais baixo; cf. Enéada III.8.4), e essa divisão constitui o Cosmos, que é o ato expressivo ou criativo da Alma, também referido como Natureza. Quando a alma individual reflete sobre a Natureza como seu próprio ato, essa alma é capaz de obter discernimento (gnôsis) sobre a essência do Intelecto; no entanto, quando a alma contempla a natureza como algo objetivo e externo -- isto é, como algo a ser experimentado ou sofrido, esquecendo que a própria alma é a criadora dessa Natureza -- surgem o mal e o sofrimento. Examinemos agora a maneira como Plotino explica a Natureza como o locus da personalidade.
b. Natureza e Personalidade
A contemplação, no nível da Alma, é para Plotino uma via de mão dupla. A Alma tanto contempla o Intelecto passivamente, quanto reflete sobre seu próprio ato contemplativo ao produzir a Natureza e o Cosmos. As almas individuais que imergem na Natureza, como momentos do ato eterno da Alma, idealmente obterão um conhecimento completo da Alma em sua unidade, e até mesmo do Intelecto, refletindo sobre os resultados concretos da atividade da Alma -- isto é, sobre as entidades externalizadas e sensíveis que compõem o cosmos físico. Essa reflexão, se for realizada pela alma individual com uma memória constante de sua origem, a levará a um governo justo do cosmos físico, que o tornará uma imagem material perfeita do Cosmos Intelectual, ou seja, o reino das Formas (cf. Enéadas IV.3.7 e IV.8.6). No entanto, as coisas nem sempre acabam tão bem, pois as almas individuais muitas vezes "descendem mais do que é necessário [...] para iluminar as regiões inferiores, mas não é bom para elas irem tão longe" (Enéada IV.3.17). Pois quando a alma se estende cada vez mais para a indeterminação da materialidade, ela gradualmente perde a memória de sua origem divina e passa a se identificar cada vez mais com seu entorno. Em outras palavras: a alma se identifica com os resultados da atividade da Alma e esquece que ela é, como parte dessa Alma, ela mesma um agente da atividade. Isso equivale a um abandono, pela alma, de sua natureza divina. Quando a alma assim se abandona, ela começa a acumular muitas incrustações extrínsecas, por assim dizer, que a tornam algo menos divina. Essas incrustações são os "acidentes" (no sentido aristotélico) da personalidade. Ainda assim, a alma nunca está completamente perdida, pois, como Plotino insiste, a alma só precisa "pensar sobre o ser essencial" para retornar a si mesma e persistir existindo autenticamente como um governante do Cosmos (Enéada IV.8.4-6). A memória de personalidade que essa alma errante possuía deve ser esquecida para que ela possa retornar completamente à sua natureza divina; pois se fosse lembrada, teríamos que dizer, contraditoriamente, que a alma mantém uma memória do que ocorreu durante seu estado de deslembrança! Assim, em certo sentido, Plotino sustenta que as personalidades individuais não se mantêm no nível da Alma. No entanto, se entendermos personalidade como mais do que apenas uma atitude particular ligada a um modo concreto de existência, e a virmos como a soma total das experiências refletidas no intelecto, então as almas certamente retêm suas personalidades, mesmo no nível mais alto, pois persistem como pensamentos dentro da Mente divina (cf. Enéada IV.8.5). A personalidade que se adquire na ação (o tipo mais baixo de contemplação) é de fato esquecida e dissolvida, mas a "personalidade" ou persistência no intelecto que se alcança por meio de atos virtuosos certamente perdura (Enéada IV.3.32).
c. Salvação e o Processo Cósmico
Plotino, como seu contemporâneo mais velho, o filósofo cristão Orígenes de Alexandria, vê a queda da alma ao âmbito material como um momento necessário no desdobramento do Intelecto divino ou Deus. Por esse motivo, a queda em si não é um mal, uma vez que é reflexo da essência divina. Tanto Orígenes quanto Plotino colocam a culpa em experimentar essa descida como um mal que incide diretamente sobre a alma individual. É evidente que esses pensadores tinham, respectivamente, visões bastante diferentes sobre por que e como a alma experimenta a queda como um mal; mas algo eles tinham em comum: a ideia de que a alma racional naturalmente escolherá o Bem, e que qualquer descuido em o fazer resultaria do esquecimento ou da ignorância adquirida. Mas de onde vem esse descuido? Para tal, Orígenes conferiu uma resposta que, ao ver de Plotino, deve ter sido bastante insatisfatória: que as almas preexistiam como seres espirituais e, quando desejaram criar ou "gerar" algo independentemente de Deus, todas sucumbiram no erro e permaneceram lá até a vinda do Lógos Encarnado. Essa perspectiva tem um quê de gnóstica, algo que teria desagradado a Plotino, por ter sido um grande oponente dessa doutrina. Pela queda da alma Plotino se refere, simplesmente, à tensão entre a contemplação pura e a ação divisiva -- uma tensão que constitui o modo natural de existência da alma (cf. Enéada IV.8.6-7). Plotino nos diz que um pensamento só é concluído ou totalmente compreendido após ter sido expresso, pois só então podemos dizer que esse pensamento passou da potencialidade para a atualidade (Enéada IV.3.30). A questão de saber se Plotino atribui mais valor ao potencial ou ao atual é, em última instância, irrelevante, pois, no plêrôma plotiniano, toda potencialidade gera uma atividade, e toda atividade se torna ela mesma uma potencialidade para uma nova atividade (cf. Enéada III.8.8). Ademais, uma vez que o Uno, que é o objetivo ou alvo de desejo de todos os existentes, não é nem potencialidade nem atualidade, mas um "além-do-ser" (επέκεινα ουσίας, epekeina ousias), é impossível dizer se o esforço dos entes, no esquema de Plotino, resultará em uma atualização plena e completa, ou então em um repouso da potencialidade que os tornará semelhantes à sua fonte. "Assemelhar-se a Deus tanto quanto possível", para Plotino, é de fato assemelhar-se a si mesmo -- eis a existência autêntica. Plotino deixa a cargo do indivíduo determinar o que isso significa.
d. As Últimas Palavras de Plotino
Em sua biografia de Plotino, Porfírio registra as últimas palavras de seu professor a seus pupilos da seguinte forma: "Esforcem-se para trazer de volta o deus dentro em vocês ao Deus no Todo". Após proferir essas palavras, falece Plotino, um dos maiores filósofos que o mundo já conheceu. A simplicidade dessa declaração final parece entrar em desacordo com os rigores intelectuais dos tratados de Plotino, que desafiam -- e mais frequentemente do que não, fazem cair por terra -- praticamente todas as visões filosóficas de destaque da época. Porém, isso só ocorre se tomarmos essa observação em um sentido místico ou religioso extático. Plotino exigia o mais alto nível de clareza intelectual ao lidar com o problema da relação da humanidade com o princípio mais alto da existência. Esforçar-se pela salvação ou deseja-la não era, para Plotino, uma desculpa para simplesmente abandonar-se à fé, à oração ou a rituais religiosos irrefletidos; em vez disso, a salvação haveria de ser alcançada por meio da prática da investigação filosófica, da dialética. O fato de Plotino, no final de sua vida, ter chegado a essa formulação um tanto simplista, há de sugerir que sua busca dialética foi bem-sucedida. Em seu último tratado, "Sobre o Bem Primordial" (Enéada I.7), Plotino é capaz de afirmar, no mesmo fôlego, que tanto a vida quanto a morte são boas. Ele diz isso pois a vida é o momento em que a alma se expressa e se deleita na autonomia do ato criativo. No entanto, essa vida, uma vez se caracteriza pela ação, acaba levando ao esgotamento e a um desejo, não pela ação autônoma, mas pela contemplação repousante -- por uma realização que é puramente intelectual e eterna. A morte consiste no alívio desse esgotamento e o retorno a um estado de repouso contemplativo. Seria esse retorno ao Intelecto um retorno à potencialidade? É difícil dizer. Talvez se trate de uma síntese de potencialidade e atualidade: o momento em que a alma é tanto uma quanto múltipla, tanto humana quanto divina. Isso constituiria a salvação plotiniana -- o cumprimento da exortação do sábio moribundo.
e. A Façanha de Plotino
Em última análise, destaca-se como a mais importante e impressionante façanha de Plotino a maneira como ele sintetizou a expressão pura e "semimítica" de Platão com os rigores lógicos das escolas peripatética e estoica, sem perder de vista a tarefa mais importante da filosofia: apresentar a experiência humana em termos inteligíveis e passíveis de análise. O fato de o pensamento de Plotino ter de fazer o "desvio" por caminhos tão selvagemente místicos e especulativos como o gnosticismo e a teologia da salvação cristã consiste apenas em uma prova de sua perspicácia, abrangência e admirável humanismo. Por todas as suas dificuldades dialéticas e perambulações, a única preocupação de Plotino é com o bem-estar (eudaimonia) da alma humana. Entendamos isso, é claro, como um bem-estar intelectual, em oposição a um bem-estar meramente físico ou mesmo emocional, pois Plotino não estava preocupado com o que é transitório ou temporal. O afã da mente humana por um modo de existência mais adequado ao seu potencial intuído do que as possibilidades efêmeras deste reino material, embora admitidamente se trate de um afã nascido da temporalidade, direciona-se aqui, no entanto, à perfeição atemporal e divina. Esse afã ou desejo se verte em algo ainda mais comovente e digno da filosofia porque se origina nas profundezas da angústia existencial, e não nos êxtases primitivos do ritual irrefletido. Como o último verdadeiro representante do espírito filosófico grego, Plotino é apolíneo, não dionisíaco. Sua preocupação se volta ao embelezamento intelectual da alma humana, e por essa razão sua noção de salvação não implica, como no caso de Orígenes, um estado eterno de contemplação objetiva da divindade. Para Plotino, a separação entre humano e divino se dissolve, de modo que quando a alma perfeita contempla a si mesma, também está contemplando o Ser Supremo.
f. A Síntese Plotiniana
Plotino foi confrontado com a tarefa de defender a verdadeira filosofia platônica, tal qual ele a entendia, contra os avanços feitos à época pelos gnósticos, principalmente, mas também pelo cristianismo ortodoxo. Em vez de se lançar em uma ofensiva total contra essas novas ideias, Plotino retirou o que, a seus olhos, havia de melhor nelas, e trouxe tais ideias em consonância com sua própria espécie de platonismo. Por essa razão, às vezes ficamos surpresos ao ver Plotino falando do cosmos em um tratado tal qual um reino de esquecimento e erro, enquanto em outro, fala do cosmos como a expressão mais perfeita da divindade. Uma vez que percebemos até que ponto certas seitas gnósticas foram para caracterizar este mundo como um produto de um Demiurgo nefasto e maligno, a quem não devemos qualquer lealdade, fica claro que Plotino estava simplesmente tentando atenuar a forma extrema de uma ideia que ele mesmo compartilhava, ainda que em um sentido menos radical. O sentimento de estar lançado em um mundo hostil e estranho é uma posição filosoficamente válida, a partir da qual uma crítica e investigação da existência humana pode partir; de fato, os filósofos existencialistas modernos muitas vezes partiram dessa exata premissa. No entanto, Plotino percebeu que não é da natureza da alma humana simplesmente escapar de um âmbito de engajamento ativo com a realidade externa (o cosmos) rumo a uma recepção passiva da forma divina (dentro do plêrôma). A Alma, tal qual Plotino a entende, é um ser essencialmente criativo e que compreende a existência em seus próprios termos. Uma das belezas do sistema de Plotino é que tudo o que ele diz sobre a natureza do Cosmos (espiritual e físico) pode igualmente ser atribuído à Alma. Embora seria falso acusar Plotino de solipsismo (ou mesmo narcisismo, como uma comentarista proeminente fez; cf. Julia Kristeva em Hadot 1993, p. 11), seria correto dizer que todo o Cosmos é um análogo da experiência da Alma, o que resulta na obtenção da plena autoconsciência. A forma do sistema de Plotino é a própria forma pela qual a Alma naturalmente vem a conhecer a si mesma no tocante a seus atos; e a expressão da Alma será sempre, portanto, uma expressão filosófica. Quando falamos da síntese plotiniana, portanto, estamos falando de uma dialética natural da Alma, que leva em conta suas próprias expressões, não importa quão falhas ou incompletas possam parecer em retrospecto, e as tece em uma tapeçaria cósmica de imagens noéticas.
3. Porfírio e Iâmblico
Porfírio de Tiro (ca. 233-305 d.C.) é o pupilo mais famoso de Plotino. Além de ter escrito um resumo introdutório das teorias de seu mestre (o tratado traduzido por Sententiae ad Intelligibilia Ducentes), Porfírio também compôs a famosa Isagoge, uma introdução às Categorias de Aristóteles, que veio a exercer uma imensa influência sobre o escolasticismo medieval. A extensão dos interesses investigativos de Porfírio excedeu a de seu professor, e suas chamadas obras "científicas", que sobrevivem até hoje, englobam um tratado sobre música (Sobre a Prosódia), e dois estudos das teorias astronômicas e astrológicas de Cláudio Ptolomeu (ca. 70-140 d.C.), Sobre os Harmônicos, e uma Introdução à Astronomia de Ptolomeu. Ele escreveu biografias de Pitágoras e Plotino, e editou e compilou os ensaios deste último em seis livros, cada um contendo nove tratados, dando-lhes o título Enéadas. Ao contrário de Plotino, Porfírio estava interessado principalmente no aspecto prático do esforço salvífico, e na maneira como a alma poderia desencadear, mais efetivamente, uma transferência para reinos cada vez mais elevados de existência. Isso levou Porfírio a desenvolver uma doutrina de ascensão ao Intelecto por meio do exercício da virtude (ἀρετή, aretê) na forma de "boas obras". Essa doutrina pode dever sua gênese à suposta adesão precoce de Porfírio ao cristianismo, como atestado pelo historiador Sócrates e sugerido por Santo Agostinho. Caso Porfírio tenha, em algum momento, se tornado cristão, isso explicaria sua crença na relação objetiva da alma com a Mente divina -- uma ideia compartilhada por Orígenes, a quem Porfírio conheceu quando jovem (cf. Eusébio, A História da Igreja, p. 195) -- e explicaria sua crença um tanto aplotiniana em um progresso gradual em direção à perfeição, em oposição à "salvação instantânea" proposta por Plotino (cf. Enéada IV.8.4).
Iâmblico de Apameia (ca. 330 d.C.) foi um pupilo de Porfírio. Ele se afastou de seu mestre em mais de um aspecto, mais notavelmente em sua insistência em rebaixar o Uno de Plotino (que Porfírio deixou intocado, por assim dizer) ao nível de kosmos noêtos, que, de acordo com Iâmblico, gera o reino intelectual (kosmos noêros). Nesse aspecto, pode-se dizer que Iâmblico ou entendeu muito mal, ou negligenciou até mesmo em tentar entender Plotino na importante doutrina da contemplação. Essa visão levou Iâmblico a postular um Uno Supremo ainda mais superior que o Uno de Plotino, o qual gera o Cosmos Intelectual; ainda assim ele permaneceria para além de toda predicação e determinabilidade. Iâmblico, ademais, fez uma divisão tripartite da Alma, postulando uma Alma cósmica ou Alma do Todo, e duas almas menores, correspondentes às faculdades racionais e irracionais, respectivamente. Essa distorção um tanto gratuita do reino noético plotiniano também levou Iâmblico a postular uma série de seres espirituais intermediários entre as almas inferiores e o reino inteligível -- daemons, as almas de heróis e anjos de todos os tipos. Ao estabelecer tamanha distância entre a alma terrena e o reino inteligível, Iâmblico tornou difícil para o aspirante a filósofo obter um conhecimento intuitivo da Alma superior, embora ele insistisse que todos possuem tal conhecimento, aliado a um desejo inato pelo Bem. No lugar da vívida dialética de Plotino, Iâmblico estabeleceu a prática da teurgia (θεουργία, theourgia), que, ele insiste, não traz os deuses até o homem, mas sim torna a humanidade, "que por meio da geração nasce submetida às paixões, pura e imutável" (Sobre os Mistérios I.12.42). Enquanto "assemelhar-se a Deus" significava, para Plotino, uma recordação e perfeição da própria natureza divina (que é, em última análise, idêntica a nõus; cf. Enéada III.4), para Iâmblico a relação da humanidade com o divino é de subordinado a um superior, e assim a religiosidade religiosa pagã que Plotino desprezou -- "Deixem os deuses virem a mim, e não eu a eles", disse ele certa vez (cf. Porfírio, Vida de Plotino 10) -- volta à filosofia tal qual uma vingança. Iâmblico é mais conhecido por seu longo tratado Sobre os Mistérios. Como Porfírio, ele também escreveu uma biografia de Pitágoras.
a. A Natureza da Alma
Em sua introdução à filosofia de Plotino, intitulada Pontos de Partida para o Reino da Mente, Porfírio observa que a inclinação da Alma incorpórea em direção à corporeidade "constitui uma segunda natureza [i.e. a alma irracional], que se une ao corpo" (Pontos de Partida 18 [1]). Essa observação é supostamente um comentário sobre Enéada IV.2, onde Plotino discute a relação da alma individual com a Alma do Todo. Embora seja verdade que Plotino reiteradamente fale da alma individual como sendo independente da Alma mais elevada, ele o faz para fins ilustrativos, a fim de mostrar o quão longe no esquecimento a alma que se afeiçoou à sua atividade pode decair. No entanto, Plotino insiste repetidamente que a alma individual e a Alma do Todo são uma (cf. especialmente Enéada IV.1), e que a Natureza é o ato expressivo da Alma. A irracionalidade não constitui uma "segunda natureza" para Plotino, constituindo-se antes como um exercício defeituoso da racionalidade -- isto é, uma doxa não harmonizada pela epistêmê -- por parte da alma individual. Além disso, a alma individual, que vem a se unir com a corporeidade, governa e controla o corpo, tornando possível o conhecimento discursivo, bem como a percepção sensorial. Plotino chama o pathos descontrolado de irracionalidade; a alma traz aisthêsis (julgamento perceptivo) para a corporeidade e, assim, impede que ela afunde em passividade irracional. Assim, o que levou Porfírio a cometer tal erro interpretativo, se se trata de um erro? É bem possível que Porfírio tenha chegado a suas próprias conclusões sobre a Alma e tentado alinhar sua própria teoria com o que Plotino de fato o ensinou. Uma pista para a razão do "mal-entendido" pode possivelmente residir no envolvimento precoce de Porfírio com o cristianismo.
Embora Porfírio nunca tenha afirmado que foi cristão, Agostinho fala dele como se fosse um apóstata, e o historiador Sócrates afirma inequivocamente que Porfírio já pertenceu à fé cristã, relatando que ele deixou a comunidade com repulsa após ser agredido por um grupo violento de cristãos em Cesareia. De qualquer forma, é certo que ele conheceu Orígenes, o cristão contemporâneo mais velho de Plotino, e que foi exposto à doutrina cristã. Na verdade, seu ataque veemente ao cristianismo ("Quinze Argumentos Contra os Cristãos", hoje preservado apenas em fragmentos) mostra que ele possuía um amplo conhecimento das Escrituras Sagradas, algo notável para um filósofo "pagão" daquela época. A exposição de Porfírio à doutrina cristã, portanto, teria lhe deixado uma visão da salvação bastante diferente da de Plotino, que parece nunca ter dado muita atenção ao cristianismo. A melhor evidência que temos para essa explicação é a própria teoria da salvação de Porfírio -- e ela é notavelmente semelhante à que encontramos em Orígenes! A teoria da salvação de Porfírio depende, como a de Orígenes, de uma noção da relação objetiva da alma com Deus e de seu consequente esforço, não para atualizar sua própria potencialidade divina, mas para alcançar um nível de virtude que a torne capaz de participar plenamente da essência divina. Isso se dá por meio do exercício da virtude, que coloca a alma em um curso gradual de progresso em direção ao Bem supremo. Partindo de simples "virtudes práticas" (politikai arêtai), a alma gradualmente ascende a níveis mais elevados, eventualmente alcançando o que Porfírio chama de paradeigmatikai arêtai, ou "virtudes exemplares", que transformam a alma em uma expressão viva da Mente divina (cf. Porfírio, Carta a Marcela 29). Note que Porfírio interrompe a ascensão da alma ao Nõus, e presume-se que a alma "salva" contemplará o poder infinito do Uno pela eternidade. Se a preocupação de Porfírio fosse a preservação da personalidade, tal explicação faria algum sentido. No entanto, é mais provável que a verdadeira razão para sua rejeição da teoria radicalmente "ultrajante" (pelo menos para os pagãos piedosos) da natureza da alma individual, tal qual defendida por Plotino, tenha sido sua intenção de restaurar a dignidade à religião tradicional dos gregos (a qual fora atacada não apenas por Plotino, mas também pelos cristãos). Evidências de tal programa estão nas interpretações alegóricas de Homero e nas práticas cultuais tradicionais feitas por Porfírio, assim como em sua obra possivelmente apologética Filosofia a Partir dos Oráculos (agora perdida). Comparado a Plotino, Porfírio era um tanto conservador, preocupado em manter a visão antiga da posição relativamente humilde da humanidade na hierarquia cósmica, em contraste com a visão de Plotino de que a alma é um deus, devendo pouco mais do que um aceno passageiro a seus "nobres irmãos" nos céus.
b. O retorno à Astrologia
Um dos resultados da posição conservadora de Porfírio em relação às práticas e crenças religiosas tradicionais foi o "retorno" à doutrina de que as estrelas e planetas são capazes de afetar e ordenar a vida humana. Plotino argumentava que, como a alma individual é una com a Alma Universal, ela é essencialmente uma co-criadora do Cosmos e, portanto, não está sujeita às leis que governam o Cosmos -- pois a alma é a fonte e agente dessas leis! Assim, a crença na astrologia era, para Plotino, absurda, pois se a alma se voltasse para seres dependentes de sua própria lei -- ou seja, as estrelas e planetas -- para conhecer a si mesma, acabaria conhecendo apenas aspectos de seu próprio ato, e nunca retornaria a si de forma plenamente autoconsciente. Ademais, como vimos, a salvação plotiniana estava instantaneamente disponível para a alma, bastasse que ela voltasse sua mente para "o ser essencial" (ver acima); por isso, Plotino não via razão para incluir as estrelas e planetas neste quadro. Para Porfírio, no entanto, que acreditava que a alma deve trabalhar gradualmente em direção à salvação, o conhecimento das operações dos corpos celestes e de sua relação com a humanidade teria sido uma ferramenta importante para alcançar níveis cada vez mais elevados de virtude. Na verdade, Porfírio parece ter sustentado a visão de que a alma recebe certos "poderes" de cada um dos planetas -- julgamento correto de Saturno, exercício adequado da vontade de Júpiter, impulso de Marte, opinião e imaginação do Sol e (o que mais?) desejo sensual de Vênus; da Lua, a alma recebe o poder da produção física -- e que esses poderes permitem que a alma conheça coisas sejam elas terrenas ou celestiais. Esse conhecimento teórico dos poderes dos planetas, portanto, teria tornado o conhecimento mais prático da astrologia um tanto útil e significativo para uma alma individual em busca de se conhecer como tal. A utilidade da astrologia para Porfírio, nesse sentido, provavelmente residia em sua capacidade de permitir que um indivíduo, por meio da análise de seu mapa astral natal, soubesse qual planeta -- e, portanto, qual "poder" -- exerceria influência dominante em sua vida. Em consonância com a antiga doutrina grega do "meio-termo", a tarefa do indivíduo seria então a de trabalhar para trazer à tona outros "poderes" -- cada qual presente em menor grau na alma, mas ainda assim ativo --, de forma a alcançar um equilíbrio ou sôphrosunê (σωφροσύνη) que tornaria a alma mais capaz de compartilhar da Mente divina. A arte da astrologia, há de se lembrar, foi amplamente praticada no mundo helenístico, e a rejeição de Plotino a ela constituía uma exceção, não a regra. As visões de Plotino sobre a astrologia aparentemente encontraram poucos adeptos, mesmo entre os platônicos, pois vemos não apenas Porfírio, mas também (em certa medida) Iâmblico e até Proclo declararem seu valor -- este último sendo responsável por uma paráfrase do compêndio astrológico de Cláudio Ptolomeu conhecido como Tetrabiblos, ou simplesmente A Astronomia. Além de escrever um comentário sobre a obra de Ptolomeu, Porfírio compôs igualmente sua Introdução à Astronomia (pela qual aparentemente se entende "Astrologia", já que a distinção moderna não se aplicava aos tempos helenísticos). Infelizmente, essa obra não sobreviveu intacta.
c. A Busca pela Transcendência
A filosofia de Plotino foi altamente discursiva, o que significa que ela operava sob a suposição de que o significado mais elevado, a verdade mais profunda (mesmo uma chamada "verdade mística"), é necessariamente traduzível em linguagem, e, além disso, de que qualquer experiência só atinge seu valor pleno como significado quando é expressa em forma de linguagem. Essa ideia, é claro, colocava o Uno sempre além da compreensão discursiva da alma humana, já que o Uno foi proclamado por Plotino como se encontrando não somente além do conhecimento discursivo, mas também como a própria fonte e plausibilidade desse conhecimento. Segundo Plotino, então, toda vez que a alma individual expressa uma dada verdade em linguagem, esse ato em si representa o poder do Uno. A noção da simultânea proximidade íntima do Uno em relação à alma e, paradoxalmente, de sua extrema transcendência e inefabilidade, só se torna possível dentro dos limites de uma filosofia puramente subjetiva e introspectiva como a de Plotino. Como tal filosofia, por sua própria natureza, não pode apelar para percepções externas comuns, ela está destinada a permanecer como patrimônio exclusivo dos poucos sensíveis e iluminados. Porfírio não queria admitir o mesmo e, dessa forma, encontrou-se buscando, como nos diz Santo Agostinho, "um caminho universal (universalem viam) para a liberação da alma" (Cidade de Deus 10.32), acreditando, como ele, que nenhum caminho do tipo havia sido descoberto pela filosofia ou dentro dela. Isso não implicava, para Porfírio, uma rejeição total da dialética plotiniana em favor de um processo mais esotérico de salvação. Contudo, isso o levou a olhar para a astrologia como um meio de orientar a alma em direção ao seu lugar no cosmos e, assim, permitir que ela alcançasse a salvação desejada da maneira mais eficaz possível. Iâmblico, por outro lado, rejeitou até mesmo a abordagem de Porfírio, buscando um caminho rumo à divindade mais digno de sacerdotes (hieratikoi) do que de filósofos; pois Iâmblico acreditava que não apenas o Uno, mas todos os deuses e semideuses, excedem e transcendem a alma individual, tornando necessário que a alma em busca de salvação invoque os seres superiores para ajudá-la em seu progresso. Isso se realiza, Iâmblico nos diz, por meio "da operação perfeccionadora de atos indizíveis (erga) realizados corretamente [...] atos que estão além de toda compreensão (huper pasan noêsin)" e que são "inteligíveis apenas para os deuses" (Sobre os Mistérios II.11.96-7). Esses atos ritualísticos e a "lógica" que os sustenta, Iâmblico chama de "teurgia" (theourgia). Tais atos teúrgicos seriam necessários pois ele se mostra convencido de que a filosofia, que se baseia unicamente no pensamento (ennoia, ἔννοια) -- e o pensamento, devemos lembrar, é sempre uma realização da mente individual e, portanto, discursivo -- é incapaz de alcançar o que se encontra além do pensamento. A prática da teurgia, destarte, se torna uma maneira de a alma experimentar a presença da divindade, em vez de meramente pensar ou conceituar a natureza divina. Porfírio questionou essa visão em sua Carta a Anebo, que é de fato uma crítica às ideias de seu pupilo, Iâmblico, onde ele afirmou que, como a teurgia é um processo físico, ela não pode se traduzir em um efeito espiritual. Sobre os Mistérios, de Iâmblico, foi escrito como uma resposta às críticas de Porfírio, mas a defesa do pupilo não conseguiu vencer os persistentes ataques do mestre. Embora tanto Porfírio quanto Iâmblico tenham reconhecido, respectivamente em menor e maior grau, as limitações da dialética plotiniana, Porfírio sustentou a ideia de que, como a divindade é imaterial, ela só pode ser apreendida de maneira noética, ou seja, discursivamente. Mesmo a astrologia, apesar de sua capacidade mediadora, ainda seria um exercício intelectual, aberto à dialética e à narrativa. Já Iâmblico, embora aderindo aproximadamente à mesma visão, argumentou que a alma humana não deve pensar em Deus em seus próprios termos, mas deve permitir que seja transformada pela essência penetrante de Deus, da qual a alma participa por meio de rituais destinados a transformar a alma particularizada e fragmentada em um ser que é "puro e imutável" (cf. Sobre os Mistérios I.12.42).
d. A Teurgia e a Desconfiança da Dialética
De acordo com o esquema da dialética plotiniana, a "postura" da alma individual é a única fonte de certeza da verdade, sendo uma faculdade de julgamento sempre dependente da Alma superior. Do ponto de vista de quem acredita que a alma está imersa na Natureza, em vez de reconhecer, como Plotino, o status da alma como governante íntimo da Natureza (que é o próprio ato da Alma), a dialética pode muito bem parecer uma tentativa solipsista (e, portanto, equivocada) por parte de uma mente individual de conhecer sua realidade impondo estruturas e restrições conceituais aos fenômenos que constituem essa realidade. Iâmblico acreditava que, como toda alma individual está imersa no "elemento corporal", nenhuma alma é capaz de compreender a natureza divina por meio do puro exercício da razão humana -- pois a própria razão, no nível do composto alma-corpo humano, está contaminada pela natureza mutável da matéria e, portanto, é incapaz de ascender àquele conhecimento perfeito que está além de toda mudança (cf. Platão, Fedro 247e). A dialética, assim, como tentativa da alma de conhecer a realidade, é vista por Iâmblico como uma tentativa de um ser decaído de se elevar para fora do próprio locus de seu esquecimento. Iâmblico não rejeita a razão dialética por completo; ele simplesmente pede que ela seja temperada por um apelo a divindades intermediárias, que ajudarão a alma caída em sua ascensão de volta ao Bem Supremo. A prática da teurgia ritualística é o meio pelo qual a alma caída ascende a um ponto em que se torna capaz de se engajar em uma dialética significativa com a divindade. Essa dependência de poderes superiores, no entanto, nega a capacidade inata da alma de pensar a si mesma como deus, e assim podemos dizer que as ideias de Iâmblico representam uma ruptura decisiva com a filosofia de Plotino.
4. Proclo e Pseudo-Dionísio
Proclo (410-485 d.C.) é, depois de Plotino, o mais realizado e rigoroso dos neoplatônicos. Nascido em Constantinopla, estudou filosofia em Atenas e, através de esforço diligente, ascendeu ao cargo de professor chefe ou "escolarca" daquela grande escola. Além de suas realizações em filosofia, Proclo também era um universalista religioso, tendo sido iniciado em todos os mistérios religiosos praticados em sua época. Isso sem dúvida se deveu à influência de Iâmblico, por quem Proclo tinha grande estima (cf. Proclo, Teologia de Platão III). A expressão filosófica de Proclo é mais precisa e logicamente ordenada do que a de Plotino. Na verdade, Proclo coloca o Intelecto (nõus) como o ápice do ato produtivo (παραγείν, paragein) do Uno; isso o põe em oposição a Plotino, que descreveu o Intelecto como diretamente procedente do Uno, situando assim a Mente antes do Pensamento e fazendo do pensamento o processo pelo qual o Intelecto se aliena de si mesmo, exigindo assim o ato salvífico para atingir a plenitude do Ser, o qual, para Plotino, consiste no retorno do Intelecto a si mesmo. Proclo entende o movimento da existência como uma progressão tripartida que começa com uma unidade abstrata, passa para uma multiplicidade identificada com a Vida e retorna novamente a uma unidade que não é mais meramente abstrata, mas então se atualiza como uma manifestação eterna da divindade. O que para Plotino constituía o drama salvífico da existência humana é, para Proclo, simplesmente a ordem lógica e natural das coisas. No entanto, ao remover assim o anseio pela salvação da existência humana, como algo a ser realizado positivamente, Proclo está ignorando ou superintelectualizando, por assim dizer, um aspecto existencial da existência humana que é tão real quanto poderoso. Plotino reconheceu a importância do impulso salvífico para a realização da verdadeira filosofia, transformando a filosofia em um meio para atingir um fim; Proclo, por sua vez, utiliza a filosofia mais como uma linguagem descritiva útil mediante a qual um pensador pode descrever as realidades essenciais de uma existência meramente contingente. Nesse sentido, Proclo é segue é mais fiel aos Diálogos de Platão; mas, por isso mesmo, não consegue alcançar o "espírito" da filosofia platônica. As principais obras de Proclo incluem comentários sobre o Timeu, República, Parmênides, Alcibíades I e Crátilo de Platão. Ele também compôs tratados sobre a Teologia de Platão, Sobre a Providência e Sobre a Subsistência do Mal. Sua obra mais importante é, sem dúvida, os Elementos de Teologia, que contém a exposição mais clara de suas ideias.
a. Ser — Devir — Ser
Em Plotino, encontramos uma explicação e expressão de um cosmos que envolvia um desenvolvimento gradual de uma unidade quase estática para uma eventual alienação — um momento em que a alma ativa deve tomar a profunda decisão de renunciar à existência autônoma e se fundir novamente com a fonte de todo Ser, ou permanecer para sempre na escuridão do esquecimento e do erro. A salvação, para Plotino, era algo relativamente fácil de se atingir, embora nunca fosse garantida. Para Proclo, por outro lado, a arkhê ou "princípio governante" de toda Vida é o "Uno-em-si-mesmo" (to auto hen), ou aquilo que é responsável pela ordenação de todos os entes, na medida em que a existência é, em última análise, o ato soberano ou expressão dessa unidade primordial (ou mônada). A expressão desse Uno é perfeitamente equilibrada, consistindo em uma trindade que contém, como expressões distintas, cada momento de sua autorrealização; e cada um desses momentos, segundo Proclo, tem a estrutura de outra trindade. A primeira trindade corresponde ao limite, que é o guia e ponto de referência de todas as manifestações posteriores; a segunda, ao ilimitado, que também é a Vida ou o poder produtivo (dunamis); e a terceira, finalmente, à "mistura" (mikton, diakosmos), que é o momento de retorno autorreflexivo durante o qual a alma se reconhece como uma entidade pensante -- ou seja, viva. O pensamento é, portanto, o ápice da Vida e a realização do Ser. O pensamento é igualmente a razão (logos) que une essas tríades em um grandioso e harmonioso plêrôma, por assim dizer. O Ser, para Proclo, é essa autopresença divina, "fechada sem desenvolvimento e mantida em estrito isolamento", que é o objeto do pensamento da Vida; esse "objeto" dá origem ao pensamento que leva, eventualmente, ao entendimento (nõus), que é o pensamento do ser, e aparece (ekphanôs), sempre, como "o gerador do ser". Quando o círculo se completa e se reflete logicamente, nos deparamos com o seguinte esquema onto-cosmológico: o pensamento (noêtos, também conhecido como "Ser") dá origem ao seu "negativo", que é o pensar, e o pensamento "como tal" (νοήτος και νοήτος, noêtos kai noêros) produz seu próprio reflexo preciso -- "o puro pensar" --, e esse reflexo é a própria manifestação (phanerôsis) da divindade dentro da arena flutuante das almas individuais. O Ser é eterno e estático precisamente porque sempre retorna a si mesmo como Ser; e o "Devir" é o termo conceitual para esse processo, que envolve o jogo cíclico entre o que é e o que não é, em qualquer momento. "A atividade reflexiva de cada homem é idêntica à existência de cada homem, e cada um é tanto o pensamento quanto a existência" (Proclo, Teologia Platônica III). O impulso autônomo em direção à dissolução, que é tão inerente à alma como tal, é eliminado por Proclo, pois sua dialética é impecavelmente nítida. No entanto, ele não leva em conta o anseio pelo infinito (como faz Plotino), e o consequente desejo existencial pelo poder produtivo cai por terra diante o deus supremo da criação autônoma -- o que atrai todos os existentes para sua teia primordial de dissolução.
b. O Deus Além do Ser
Pouco se sabe sobre a vida do chamado Pseudo-Dionísio. Durante muitos séculos, os escritos desse filósofo místico foram atribuídos a ninguém menos que Dionísio, o discípulo de São Paulo. Estudos posteriores lançaram dúvidas consideráveis sobre essa afirmação, e a maioria dos estudiosos modernos acredita que esse autor esteve ativo no final do século V d.C. De fato, a referência mais antiga que temos ao Corpus Dionisiano é de 533 d.C. Não há menção à obra desse autor antes dessa data. Um estudo cuidadoso dos escritos pseudo-dionisianos revelou muitos paralelos entre as doutrinas teúrgicas de Iâmblico e o esquema metafísico triádico de Proclo. No entanto, o que testemunhamos nesses escritos é a tentativa de um pensador ao mesmo tempo religiosamente sensível e filosoficamente engajado de alinhar o platonismo altamente desenvolvido de sua época com uma tradição teológica cristã que, ao que tudo indica, persistia às margens da ortodoxia. Assim, podemos nos referir a Pseudo-Dionísio como um "decadente", pois ele (ou ela?) estaria escrevendo em uma época em que o auge do platonismo havia atingido o status de um ensinamento arcaico, que seria não apenas comentado, mas apreciado como um monumento estético a uma era já distante. É importante notar, nesse aspecto, que os escritos do Pseudo-Dionísio não contêm argumentos teóricos ou momentos dialéticos, mas simplesmente muitas variações sutis sobre a teologia apofática/catafática pela qual nosso escritor é conhecido. Na verdade, ele escreve como se seus leitores já soubessem e precisassem apenas de esclarecimentos. Sua mensagem é bastante simples e é manifestamente extraída das doutrinas muitas vezes complicadas de pensadores anteriores (especialmente Iâmblico e Proclo). O Pseudo-Dionísio professa um Deus que está além de todas as distinções e que até transcende os meios utilizizados pelos seres humanos para alcançá-Lo. Para o Pseudo-Dionísio, a Santíssima Trindade (que provavelmente é análoga à trindade suprema de Proclo, (ver acima) serve como um "guia" para o ser humano que busca não apenas conhecer, mas se unir a "Aquele que está além de todo ser e conhecimento" (Pseudo-Dionísio, A Teologia Mística 997A-1000A, tr. C. Luibheid 1987). Na expressão do Pseudo-Dionísio, o anseio pelo infinito atinge uma forma poética que ao mesmo tempo cumpre e transcende a filosofia.
5. Apêndice: Os Platônicos do Renascimento
Após o fechamento da Academia Neoplatônica em Atenas pelo Imperador Justiniano em 529 d.C., o platonismo deixou de ser uma filosofia viva. Graças aos esforços do filósofo cristão Boécio (480-525 d.C.), que traduziu a Isagoge de Porfírio e também compôs numerosas obras originais, a Idade Média teve um tênue vislumbre das antigas glórias da filosofia platônica. Também Santo Agostinho foi responsável por transmitir um senso da doutrina neoplatônica ao Ocidente latino, embora isso tenha se dado mediante comentários e críticas, e não de qualquer forma de exposição sistemática dessa filosofia. De modo geral, é seguro dizer que a Europa medieval permaneceu sob o domínio do aristotelismo até o início do Renascimento, quando alguns pensadores italianos brilhantes começaram a redescobrir, traduzir e expor os textos originais do platonismo. Entre esses pensadores, destacaram-se Marsilio Ficino (1433-1492) e Pico della Mirandola (1463-1494). Ficino produziu finas traduções para o latim dos Diálogos de Platão, das Enéadas de Plotino e de numerosas obras de Porfírio, Iâmblico, Proclo, Pseudo-Dionísio e muitos outros. Além de sua habilidade acadêmica, Ficino era um excelente comentarista e filósofo. Seu brilhante ensaio sobre Cinco Questões Concernentes à Mente é um resumo conciso da doutrina neoplatônica geral, baseado na própria visão de Ficino de que a sorte da alma humana é investigar sua própria natureza, e que, como essa investigação faz com que a alma humana experimente a miséria, ela deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para transcender o corpo físico e viver uma vida digna dos anjos abençoados. Giovanni Pico, o Conde de Mirandola, foi uma figura exuberante que viveu uma vida curta, cheia de conflitos. Ele despertou a ira do papado ao compor uma obra volumosa onde defendia novecentas teses extraídas de sua vasta leitura dos Antigos; treze dessas teses foram consideradas heréticas pelo papado, e ainda assim Pico se recusou a alterar ou retirar qualquer uma delas. Como seu amigo Ficino, Pico era um devoto da sabedoria antiga, baseando-se não apenas no cânone platônico, mas também na literatura pré-socrática e no Corpus Hermético, sobretudo no Poimandres. A obra mais famosa de Pico é a Oração sobre a Dignidade do Homem, na qual ele afirma eloquentemente sua visão erudita de que a humanidade foi criada por Deus "como uma criatura de natureza indeterminada", dotada da capacidade única de ascender ou descer na escala do Ser através do exercício autônomo do livre-arbítrio (Oração 3). A visão de Pico sobre o livre-arbítrio era um tanto distinta da expressa por Plotino e, de fato, pela maioria dos outros neoplatônicos, e não é de surpreender que quando Pico compôs um tratado Sobre o Ser e o Uno, terminou-o em termos aristotélicos, declarando o Uno como coincidente com ou persistindo no Ser -- uma doutrina completamente não platônica. Com Ficino, então, podemos dizer que o platonismo alcançou um breve momento de glória arcaica, enquanto com Pico, ele foi mergulhado novamente no charco do empirismo autorreferencial.
6. Referências e Leitura Adicional
- Cassirer, Ernst; Kristeller, Paul Oskar; Randall, John Herman Jr. (editors) The Renaissance Philosophy of Man (University of Chicago Press 1948).
- Cooper, John M. (ed.), Plato: Complete Works (Hackett Publishing 1997).
- Copleston S.J., Frederick, A History of Philosophy (vol. I, part II): Greece and Rome (Image Books 1962).
- Dillon, John (1977), The Middle Platonists (Cornell University Press).
- Eusebius (tr. G.A. Williamson 1965), The History of the Church (Penguin Books).
- Fowden, Garth, The Egyptian Hermes: A Historical Approach To The Late Pagan Mind (Cambridge University Press 1986).
- Hadot, Pierre (tr. M. Chase), Plotinus, or The Simplicity of Vision (University of Chicago Press 1993).
- Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (tr. E.S. Haldane and Frances H. Simson), Lectures on the History of Philosophy (vol. II): Plato And The Platonists (Bison Books 1995).
- Jaeger, Werner, Early Christianity and Greek Paideia (Harvard University Press 1961).
- Layton, Bentley (1987), The Gnostic Scriptures (Doubleday: The Anchor Bible Reference Library).
- O'Brien S.J., Elmer (1964), The Essential Plotinus: Representative Treatises From The Enneads (Hackett Publishing).
- Origen of Alexandria, Commentary on John, tr. in The Ante-Nicene Fathers, vol. X. (Eerdmans 1979, reprint).
- Origen of Alexandria, On First Principles [De Principiis], tr. in The Ante-Nicene Fathers, vol. IV. (Eerdmans 1979, reprint).
- Philo of Alexandria (tr. F.H. Colson and G.H. Whitaker), On the Creation of the World [De Opificio Mundi], in vol. 1 of The Loeb Classical Library edition of Philo (Harvard University Press 1929).
- Plotinus (tr. A.H. Armstrong), The Enneads, in seven volumes (Loeb Classical Library: Harvard University Press 1966).
- Porphyry (tr. K. Guthrie), Launching-Points to the Realm of Mind [Pros ta noeta aphorismoi] (Phanes Press 1988).
- Porphyry (tr. A. Zimmern), Porphyry's Letter to His Wife Marcella Concerning the Life of Philosophy and the Ascent to the Gods (Phanes Press 1986).
- Porphyry (tr. A.H. Armstrong), Life of Plotinus [Vita Plotini], in volume one of the Loeb Classical Library edition of Plotinus (Harvard University Press 1966).
- Proclus (tr. T. Taylor), Lost Fragments of Proclus (Wizards Bookshelf 1988).
- Proclus (tr. T. Taylor), Ten Doubts Concerning Providence, and On the Subsistence of Evil (Ares Publishers 1980).
- Pseudo-Dionysius (tr. C. Luibheid 1987), Pseudo-Dionysius: The Complete Works (Paulist Press).